sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Na minha imaginação, desde que o mundo é mundo ele se chama mundo. E o mundo carrega um mundo com ele: espaço sideral, terra, água, pessoa, bicho, objeto, substantivo, número, cor, forma, corpo, alma e mais um infinito de coisas que nem sempre são coisas – como nem sempre são infinitas.

Só o mundo é um conjunto de tudo. Se fosse a junção de nada, certamente não se chamaria mundo. Então da pra sacar que nem o grão da areia é tão pequeno quanto eu, comparada ao universo.

E se existe tudo isso, deve ser realmente um absurdo escrever sobre o PORTA XAMPU que existe em minha casa. Mas não há saída: quero falar sobre esse objeto, cujo qual eu escrevo sem hífen. Ressalto que o problema não é uma dúvida ortográfica. O erro não é meu: é do elemento eternamente solitário, constantemente frágil e frequentemente irritante. Sim! Irritante é o adjetivo mais adequado (por tal motivo, deixei-o por último).

Todos os dias meu banho é uma novela de boxe. E sabe qual a diferença de uma novela assim para a convencional? Eu consigo ficar sem TV, mas sem banho, jamais! Portanto, sou obrigada a absorver uma característica que nunca fez parte da minha personalidade: a famosa paciência.

Preciso respirar profundamente antes de olhar para ele. E, na hora de lavar os cabelos, necessito de um ritual: velas, orações e brados otimistas para que tudo de certo... Mas, frequentemente, não dá. Basta esbarrar no PORTA XAMPU para que os objetos comecem a cair sobre a minha cabeça. É algo rápido, desnecessário e azucrinante. Quando percebo, já está tudo ao chão: prestobarba, máscara capilar, pente, sabonete e saboneteira. Um saco!

Como se a situação em si não me bastasse, vejo a chuva de objetos se repetir quando tento colocá-los novamente no “dito cujo sem hífen”. Então, reforço em pensamento que a vida é mesmo esquisita. E, quanto ao traço de união, faço questão de me explicar: com tantos mundos existentes no mundo, palavras compostas que atrasam minha rotina não merecem sinal diacrítico de pontuação.


(Dalila Lemos)

SEMPRE AMOR

Um dia ele foi um susto. Depois se transformou num cisquinho. Cresceu mais um pouco e começou a entender que poderia identificar vozes... E virou dançarino de funk quando me ouviu falar!

Cresceu ainda mais e descobriu o poder do sentimento. Ficou feliz quando o telefone tocou, quando o papai chegou do trabalho e quando a vovó comprou-lhe um sapatinho.

Transformou-se, então, em inteligência. E começou a fechar os olhos ao anoitecer.

Cresceu mais e mais, quando reparou que já não havia como explorar o planeta dentro de uma barriga. Então nasceu: pra me fazer sorrir, para me ensinar o que eu jurava que já sabia. Nasceu pra ser um pouco de tudo, pra estar em cada letra da saudade quando a distância aperta. Nasceu pra me mostrar que, na vida, há mais coisas que valem a pena do que aquelas que eu já conheço.

Um susto. Um cisco. Um dançarino de funk. Um sensitivo. Um Perspicaz. Um impetuoso. UM SEMPRE AMOR! 

Amor de dinda! Amor de ser independente pra escolher aonde quer se sentar. Amor de querer mais pipoca. Amor de pirraça quando o teatro chega ao fim. Amor de "por favor, enfeite mais os meus dias".


(Dalila Lemos)

MADRUGADA

Ele se pôs junto ao pôr do sol. Mas o que me angustia realmente é o clarear do dia. Sinto o cheiro da madrugada passando, ouço os primeiros automóveis, o apito do trem, o canto de despertar dos pássaros. E já não sei se isso significa um dia a mais ou a menos! Parece que morre um pouco de mim quando o céu passa do azul negro para o azul claro.

Não é nada pessoal. São apenas lembranças iluminadas pelo brilho das estrelas. São recordações noturnas, que jamais deveriam clarear com o nascer do sol. Mas clareiam! E a temperatura já não permite que o casaco cubra o meu peito. O silêncio começa a fazer barulho. A televisão deixa de ser audiência para o vazio. E as canções... Até as canções! As canções deixam de ser só minhas.

Dia claro significa que sou dos outros. Sou do trabalho, dos vinte minutos que restam para tomar um banho e mastigar. Sou do trânsito, da buzina, da fumaça e estou em cada placa da estrada. Sou do tremor do ônibus, da enxaqueca causada pelo computador, da ojeriza que os jornais me causam e da repugnância política. Sou da mão que o mendigo estende quando chega a hora do almoço. Sou do grito, do caos, da ansiedade... 

É por isso que prefiro a madrugada! A madrugada é minha. Eu sou dela. E só tem uma coisa que complementa isso: o ponto final.

(Dalila Lemos)

EU E MEU TIC-TAC


O trânsito na Rodovia Presidente Dutra não é dos melhores. Algumas vezes fico presa enquanto tento voltar pra casa. E não tem como falar de ação sem pensar em reação... Refletir sobre o mundo é uma forma de reagir a tanta espera.

O mal não é ficar parada. É estar presa! Como agüentam os pássaros engaiolados? Se eles têm asas, por que não podem voar? Para esses e outros questionamentos só defino uma resposta: a liberdade é uma farsa.

Aquela velha conversa de que temos o direito de ir e vir é uma mentira genuína. Uma simples obra na estrada ou acidente que o valha, paralisa mais de mil vidas. Vidas presas e aglomeradas em veículos automotivos – estes dispostos sobre o asfalto, que traçam caminhos inevitavelmente influenciados para que ninguém chegue a lugar nenhum. Não existe liberdade na estagnação do trânsito. Na fluência da vida também não! 

Não somos livres pra nascer, salvo sob registro na certidão, autenticado no cartório, com formulário de requerimento preenchido e assinado pelo declarante. Não somos livres para morrer, salvo sob o pagamento dos impostos funerários.

Temos uma pseudoliberdade escondida na repressão dos manifestantes, na denominação de democracia, na imposição de status, na rotina e nas escolhas. Temos um mundo nas costas! E carregamos: os juros, os passaportes, as concessões, as taxas de deslocamento, as asas cortadas. 

Podemos ver a história passar entre as molduras da janela, mas fazer parte da nossa própria história torna-se caro (no sentido material e imaterial), pois já não somos livres nem para optarmos pela vida. 

Essa prisão me deprime e a única alternativa é fechar os olhos para imaginar a imensidão do mundo. Enquanto isso, ficamos a sós: eu e meu Tic Tac. Quisera o relógio! Mas me refiro à bala que sacia meu organismo com duas calorias a cada quilômetro de congestionamento.

(Dalila Lemos)

AQUELE ABRAÇO

Não encontrei exemplo melhor para o que eu vi no show do Nando Reis a não ser um dos textos da cronista Martha Medeiros. Mas primeiro, é melhor falar sobre o show. Depois, falemos sobre o texto.

Nando Reis se apresentou numa boate em Volta Redonda, no sábado (dia 24). Já assisti a um show dele antes e confesso que meu entusiasmo foi maior. Pareceu que dessa vez um misto de introspecção e cansaço se propagou no ar e, a cada canção, meus pensamentos perderam-se em um único detalhe: o abraço.

Um casal se abraçou na minha frente, de um jeito diferente. Foi intenso, único, interminável. Um abraço que nunca teve nome e não passou em nenhuma novela. Foi dele e dela! Não foi de mais ninguém.

Olhei. Não fiz outra coisa! Apenas olhei. E o texto da Martha apareceu pra mim como um vulto. Afinal, dentro de um abraço* existe um mundo e dentro desse mundo nos aliviamos em meio ao paraíso: do calor, do silêncio, do presente, do amor.

Foi então que pensei que ter alguém nos braços ou estar nos braços de alguém pode significar muito mais que um gesto casual. Saudade, paixão, desejo. Medo. Quem sabe o começo... Ou o próprio fim – que sempre foi inevitável – se escondeu no abraço? Para ser mais específica: naquele, do casal em que fixei os olhos.

Nunca importou o motivo: abraço sempre confortou a alma! Os dedos que já apertaram ou acariciaram nossas costas, com certeza deixaram o mundo mais leve. E no show, durante cinco músicas seguidas, o mundo de duas pessoas se livrou de qualquer peso.

Se foi o começo, não houve pressa. Se foi o fim, não teve dor. Se foi saudade, não teve limite. Durante cinco músicas, nada esteve tão certo quanto o meu palpite: abraço é lugar de gente e muita gente se sente fora do lugar porque não tem quem lhe estenda os braços.

Gente que menospreza. Gente que age com arrogância, que é chantagista, que tem inveja. Gente que não acata escolhas, não aceita as diferenças, não respeita os sonhos. Gente intrometida, fofoqueira, hipócrita, sem educação, falsa, oportunista. Gente vangloriosa. Gente malévola. Gente que não é do bem... É tudo gente que não tem um abraço que lhe baste! Não é gente igual a gente!


(Dalila Lemos)

CANÇÕES PRA CAIR

No devaneio, o brilho eterno de uma mente sem lembranças. No chão, o meu corpo: surfando karmas e DNA, num tombo daqueles de rasgar a roupa. E aquela velha mania minha (e de meia população mundial) de machucar onde já está machucado: o joelho direito – em fase de tratamento ortopédico por lesão de impacto, e o coração – porque sempre dói mais que um tombo a sensação de aflição que atrapalha a fechar os olhos quando chega a hora de dormir.

Vale uma citação: “Se alguma coisa tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará”. Murphy estava certo. Mas acredito que, se ele tivesse me conhecido, sua lei seria bem mais rígida. Não é um caso de vivência! É uma questão de s-o-b-r-e-v-iv-ê-n-c-i-a. Eu tento sobreviver aos desacertos e aos imprevistos... Mas, de vez em quando, isso me cansa. 

A probabilidade matemática de que algo negativo aconteça é pura ciência exata. Então não adianta eu me culpar por pensar em Murphy ou no casual Mick Jagger (que já tenho o hábito de citar em algumas histórias). É negativo e pronto! Não o meu pensamento, é claro... Mas os números, as comprovações embasadas no senso de humor, que foram adotados pela cultura popular e passaram a ilustrar o cotidiano de pessoas como eu. 

Por isso não existe culpa e, só por isso, não preciso provar pra ninguém que sou uma pessoa cheia de energia positiva. “UHUÚÚ NOVA IGUAÇUUUUU”! Positivismo tão cheio de energia quanto o grito estridente de Fani, a ex BBB da baixada. A diferença entre mim e ela é que não sou famosa e, no momento em que caí na calçada esburacada da Avenida Joaquim Leite, não tinha nenhum paparazzo para registrar o meu grito de “UHÚÚÚÚ BARRA MANSAAAA!”. 

Deboches à parte, a calça que rasguei com o tombo custou 1/3 do meu salário. Ou seja, foi barata (porque nunca gostei de deboches à parte). Mas eu tinha o direito de usá-la mais de três vezes sem ter que copiar o estilo do Kurt Cobain.

‘Nevermind’, minha gente! Mandemos um beijo para o Murphy e digamos a ele que estou pronta para cantar Smells Like Teen Spirit na calçada. Uma negação!


(Dalila Lemos)

SEM MEDO DE TER MEDO

Quando criança, fui instruída a fechar os olhos caso sentisse medo. Com as pálpebras fechadas, o mundo era apenas meu. Não existia perigo nem monstros do armário que eu pudesse enxergar. 

Durante algum tempo, meus olhos ficaram fechados. E passaram-se dias. As noites também passaram. Os ponteiros do relógio deram mais de 175 mil voltas, num balé alucinante e envolvente para dançar sombrio.

Até que um dia, uma notícia bateu à porta: era a vida que tinha ido embora! 

Meu pai estava morto. Eu estava com a roupa mais bonita que havia no armário. O céu estava com o sol mais apaziguador e admirável do mundo. Em seu lugar ou não, tudo estava – de alguma forma, mais que qualquer outra coisa.

Dei-lhe um abraço apertado. Deitei-me por um instante em seu colo. E então, decidi abrir os olhos, pois sabia que o medo jamais me deixaria. 

Os dias passaram mais claros e mais difíceis. Aprendi a viver com a companhia do medo, mas nunca abri mão de nada por causa dele. Afinal, o que é o medo se não a dúvida? E o que é a dúvida se não a vida? Tudo no mundo é tão incerto quanto um tiro no escuro!

E foi assim que há duas semanas eu me vi diante de uma escolha angustiante. Meus pés, descalços sobre algumas folhas mortas, seguiram pra casa com a reflexão de que os sonhos não são equações matemáticas (previsíveis e limitadas). São combustíveis da alma!

Quando o sino da igreja bateu dez vezes, encostei a cabeça no travesseiro e ouvi uma voz dizendo que eu estava sozinha com a minha escolha. Optei por sonhar! 

Fechei os olhos porque senti medo. E, quando adormeci, sonhei sozinha um sonho meu.


PERSONAGENS

Posso fingir que sou uma personagem dos livros encalhados na prateleira? Ou então, uma cigana - sem chão e sem fronteiras? 

Posso ser Freud (ou apenas a dita loucura dele). Mas você tem que deixar... E tem que prometer que promessas não são apenas palavras jogadas no espaço. 

Você tem que desligar essa maldita água do café e me ouvir. Precisa me explicar porque não posso. Precisa delimitar esse limite, que tem uma marca no marco.

E fazer silêncio. Prender a respiração até perder o fôlego.
E esquecer por um momento. Pra depois começar de novo.

Você tem que calar minha boca às oito. E às nove, abandonar seus vícios.

Você tem que deixar... Mas precisa aumentar o volume às dez.

Eu posso fingir ser Peter Pan, enquanto meus dias não se transformam em nada de diferente. Mas você tem que deixar, enquanto se perde na neblina que embaça a janela.

É necessário: a pausa. E os desejos. E os contrassensos. 
É lógico: a causa. E as consequências. E os ponteiros.
É tolo: o tédio. E o pretérito. E a ofensa.

Escute o barulho da chuva, Laura... É uma faca! Os fragmentos estão ao chão.

E eu posso ser Chaplin. Pobre Carlitos! Mas já são mais de onze e você precisa desligar a TV.

No escuro, meus olhos não fecham. 
Eu tenho um nó na garganta. 
Meus fantasmas sentem medo.

... Mas você não deixa! E se eu não posso, não existo.


(Dalila Lemos)

DEU ZEBRA

Mick Jagger também é popularmente conhecido como “pé frio”. O apelido de azarado surgiu na Copa de 2010 quando colocou acessórios com as cores da seleção brasileira e levou Lucas, seu filho com a apresentadora Luciana Gimenez, ao estádio. O artista declarou publicamente seu fanatismo por futebol, comparando-se com a maioria dos brasileiros.

Toda energia que vinha do líder dos Rollings Stones foi canalizada para a vitória do Brasil no jogo contra a Holanda. Resultado da partida? 2 a 1 para os holandeses...E, ainda por cima, de virada!

Veja bem: só o caso da Copa do Mundo já foi suficiente para colar um rótulo de azar na testa do cantor. Agora imagine uma pessoa que passa por situações de contratempo quase que diariamente... Chato, não é?

Inocente, acreditei na previsão do tempo ontem. Para ir ao trabalho, me vesti com uma blusa de malha e um casaco que não esquenta nem pensamento. Conclusão: fez frio. A sensação térmica era de “me tire daqui em menos de cinco minutos, senão vou virar estátua de gelo”. 

Como se não bastasse as oito horas de labuta, a má sorte me pegou de jeito ao entrar no ônibus. Optei pelo corredor e senti uma ventania sacudir minhas madeixas. Meu nariz gelou. Minha mão ficou rígida. E eu me irritei! Por que diabos as janelas estariam abertas em plena noite de inverno? Mas não existia plural. Não havia nada além de uma única janela aberta: a do coleguinha gente boa, cujo qual eu me sentei ao lado. 

Se um caso não faz a fama, eu conto outro. Hoje, por exemplo, rezei para que o sol surgisse por entre as nuvens cinzas. Tive medo de a baixa temperatura diminuir minha resistência à dor, pois marquei uma sessão de tatuagem para as 18h. Deus ouviu as preces e o sol brilhou no céu. Parece legal? Então atente-se ao desfecho: meu telefone tocou... O tatuador estava passando mal... Fui agendada para a próxima semana (e o sol continuou radiante).

Sei que previsões meteorológicas e questões de mal estar são um tanto quanto imprevisíveis. Mas, se fosse só isso, talvez eu não me queixasse. 

O fato é que acontece algum infortúnio comigo praticamente todos os dias. É o papel do caixa que acaba quando chega minha vez de pagar, é o cartão do banco que sofre tentativa de clonagem, é o telefone que toca quando estou com tudo pronto para ir embora do trabalho...

Se eu torço pelo meu time, o adversário vence. Nunca ganho uma rifa. Erro todos os bolões. Já desisti dos bingos. E não acertei nenhum número da megasena no dia em que meu avô implorou para que eu escolhesse. 

O nome disso? Azar. 

O meu nome? Dalila... Mas pode me chamar de Mick Jagger!

(Dalila Lemos)

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

NAS ENTRELINHAS DE BICHO E GENTE

Tocou a campainha. Atendi da janela e desviei meu olhar para o chão da rua. Quem chamou foi um homem, sem nome talvez. Negro – e eu nunca me importei com isso. Pobre – e eu nunca me importei com isso. Sujo – (se eu pudesse, reverteria essa questão) mas eu nunca me importei com isso. Mal vestido - (até que somos parecidos) e quem se importa com isso?

Perguntei a ele o que desejava.

- A senhora pode me dar um pouco de comida? Estou com muita fome e não consegui dinheiro nem pra passagem.

De forma alguma eu hesitei.  E ele continuou:

- Na verdade, meu cunhado está me esperando na rodoviária. Ele também está com fome. Você se importa de colocar comida nessas duas vasilhas?

Estendeu os braços na minha direção. As vasilhas eram potes de sorvete que suportavam, aproximadamente, um quilo de arroz e feijão. O problema era exatamente esse: eu não almoço em casa e, se tivesse alguma coisa na geladeira, não ocuparia nem 1/3 daquelas vasilhas. Mesmo assim, eu me dispus a ajudá-lo.

 - Moço, tem problema se eu demorar um pouquinho? Não tem nada pronto aqui em casa. Preciso preparar alguma coisa para você comer.

Obviamente, ele concordou. E, inesperadamente, surgiu minha mãe.

- Minha filha, quem tocou a campainha?

- Um moço, mãe, com muita fome. Ele precisa de comida.

- Não fiz almoço, está sem nada na geladeira.

- Vou preparar alguma coisa pra ele.

- Olha, lá, hein! Vê se não vai abrir o portão na hora de entregar a comida. Pode ser perigoso. Passe as vasilhas por cima.

Bom. Eu tentei explicar a ela que a coisa nesse planeta terra anda tão feia que as pessoas, ultimamente, sequer perdem tempo com a tentativa de fingir ser o que não são. Quando boas, chegam ao bem. Quando más, chegam ao mal.

- Pode ficar tranquila, mãe. O mundo anda muito ruim. Se ele quisesse me fazer mal, não perderia tempo pedindo comida. Acho que faria isso até com o estômago vazio.

Fui à cozinha e mexi nos armários para ver o que poderia ser feito. A opção não era das melhores: miojo com feijão. Mas antes isso que nada!     Preparei também um suco de caju e peguei alguns pães que estavam sobre a mesa. 

Entreguei os alimentos ao homem. Os olhos deles se encheram de lágrimas e, ao invés de me pedir dinheiro, pediu fé.

- Faça uma oração pra mim, moça. E, mais uma vez, muito obrigada! Que Deus te abençoe.

Subi as escadas da minha casa com pensamentos bagunçados na cabeça. Que eu prefiro bicho a ser humano, não é nenhuma novidade. Mas por qual motivo eu deveria negar ajuda àquele homem? Por simplesmente ser humano? Não. Eu deveria ter feito o que fiz, sem mudar nenhum detalhe. Aliás... Cheguei à conclusão de que, às vezes, o mal se transforma no que é pelo simples fato de o bem não estender as mãos.

E eu estendi. E vou estender quantas vezes forem necessárias. 

Farei isso como um apelo pela prepotência das pessoas. Pelo egoísmo que enfeita o mundo com sua exclusividade majestosa. Pela desigualdade que nos torna tão distantes apesar de estarmos tão perto.

(Dalila Lemos)

O CICLO

Se por algum momento eu sentei-me numa cadeira e pedi algum tipo de opinião, agora o que peço são desculpas. Desculpas sinceras de alguém que só queria uma diretriz. Desculpas francas de quem não sabia que opiniões são mentiras: jogam-nas da boca pra fora com a intenção de te agradar, depois ridicularizam o resultado.

E como é mesmo a vida? Uma cerveja importada, talvez. Posta sob uma mesa de madeira, com duas dúzias de “amigos” em volta e um som qualquer ao fundo.

Na verdade eu nunca me importei com as escolhas de cada um. Nem se preferem dinheiro ou status, muito menos se conhecem duas ou duas mil pessoas. Nunca dei importância à música que ouvem: se é uma relíquia dos discos de vinis no gênero do rock ou um CD com as dez mais tocadas, adquirido no camelô. Eu não ligo se conhecem gente conhecida ou se apenas se relacionam com pessoas que estão a mil anos-luz da mídia.

Tudo bem que alguns gostos me incomodam, mas não chega a ser motivo de preconceito. Acho que o meu único preconceito é com o preconceito em si... Mas tem coisa que toca a minha ferida... E a arrogância é uma delas.

Ver alguém que se acha melhor que outro alguém, me incomoda realmente. Não me interessam os pontos juntados: isso não muda os acontecimentos. 

Existe um ciclo tão certo quanto qualquer dúvida no mundo: um dia você nasce, outro dia qualquer você morre. E não interessa se dentre esse ciclo você foi o cara que fez e participou dos melhores eventos, que encheu sua casa de raridades compradas facilmente nas Capitais ou que se entupiu de frases machistas e cerveja pilsen. 

Você pode ser quem for: negro ou branco, gordo ou magro. Pode ser um debochado, um cavalheiro, um ator, um deus contemporâneo ou um perfeito grosseirão. Não importa o seu cargo, o seu carro, a sua classe social. Nem seus livros, seus discos, seus anseios, seus amores, suas criações, suas frases originais. O ciclo vai fazer a sua parte e você vai virar comidinha de barata do mesmo jeito que eu. 

A sua essência fica. Só a sua essência.

E como é mesmo o final da vida? Um pedaço do nada, um bocado de solidão. 

(Dalila Lemos)

segunda-feira, 13 de maio de 2013

ESSÊNCIA INUSITADA


Um dia inventaram que modelo tinha que ser magra. 

... Que mulher bonita tinha que vestir 34.

... Que as lojas de roupa tinham que vender peças tão pequenas ao ponto de servir em crianças de 10 anos.

Ana Carolina Reston morreu.

Karen Carpenter morreu.

(E as revistas que divulgavam padrão de “corpo perfeito” triplicaram as vendas).

Depois veio o lance de novela infantil, que satirizava o gordinho com comida na boca até enquanto dormia.

Tinha atriz que fazia cirurgia plástica. Cantor que fazia lipoaspiração. Cantora que não se alimentava na gravidez por medo de engordar.

Violência simbólica!

Adolescentes de 16 anos com vigorexia, consumindo 80% do dia com incansáveis atividades físicas.

Namorados cheios de ameaças e namoradas que contavam as calorias do jantar romântico.

Violência do espírito!

Violência da existência.

Aquela barreira, entre a saúde e a indução, perdeu o sentido (se é que algum dia o teve).  E ficou difícil de pensar em algum modo de ter opinião com três biscoitos de água e sal no estômago. Ficou difícil ser alguém longe das capas de revista ou dos vídeos ditos sensuais. Sobreviver com 1,74m e 40 kg sobre trilhos e poses tornou-se comum... A essência é que se tornou inusitada.  

(Dalila Lemos)

PARA SEMPRE FIM



Era uma vez o era uma vez. Cinderela? Sem sapatinho de cristal! Branca de Neve perdida na floresta até o fim do livro. Bela Adormecida que nunca mais acordará. Os contos podem mudar pra sempre. Quem sabe o gato de botas não use All Star? Quem sabe o Pequeno Polegar não se transforme no Grande Fura-bolo? Ou sugiro melhor: Peter Pan – um hipotético velho ranzinza! Clássicos são pra sempre. E sempre acabam. Histórias de vida são pra sempre. (E sempre acabam).

O fato é que o sempre não dura pra sempre. Acaba! E nem adianta lembrar-se de Renato Russo, pois a rotina muda com as estações. O frio do inverno traz o desejo eterno da coberta e do chocolate quente. Chega a primavera e o desejo acaba. O verão traz o anseio insaciável pelas malhas mais frescas e lugares mais frios. O anseio acaba com a preguiça eterna do outono. (Que acaba também). Fim das estações, fim do ano, fim do mundo. Fim da ligação, fim de campeonato, fim das inscrições. Fim do mês e fim do dinheiro. Fim da viagem e fim do descanso. Fim da conexão. Conclusão de curso, término de namoro. E a vida não para! Beatles acaba e a vida não para. Quando não acaba, muda (tipo titãs) e, nesse caso, é quase a mesma coisa.

De repente você se vê numa mesa de bar. Assuntos que sempre acabam e não acabam nunca. Fim da paciência, meu caro.

(Dalila Lemos)

TRANCADA NA GAVETA


Uma pena ter perdido. Talvez esteja em algum quarto, trancada numa gaveta ao som de Portishead. Entre as esquinas e os passos apressados. Num dia de domingo chuvoso em que se joga dominó com crianças. Ou então na correnteza daquele rio que te fez afogar com as próprias lembranças.

Pra falar a verdade, você pode ter esquecido com alguém. E talvez esse alguém jamais permita que ela retorne pra você.

Sem ladainha.

Que identidade, Laura? Mas que santa identidade é essa? Você é sem nome. Você é uma reticência perdida no mundo. Sem modos, sem motivos, sem voz, sem você mesma. Pontos jogados na continuação do nada.

Nada de identidade. Nada de contextos.

Até os seus textos perdem-se no palco. Você não tem personagens... Tem fanstasmas!!! E eu prezo pelo dia da sua perda maior.

Que tal apagar da mente essa gente que mente? Não minta pra si. Não minta, porque seria mais fácil se eu pudesse explicar o quanto tentei. Seria mais fácil de você entendesse que destruí todas as folhas do meu calendário durante anos. Eu atrasei os relógios de corda. Dormi feito princesa em dias de frio. E você jamais saiu daquele lugar, Laura! Você jamais saiu de lá!

Até o último momento. Até o último trago. Até o último gole de solidão que tomei. Você no vazio do mundo, com seus fantasmas. E eu trancada naquela gaveta, ao som de Portishead.

(Dalila Lemos)

O DOM DA LEGENDA


Não tenho muitos dons. Mas preciso agradecer pelo dom da legenda. Sou sincera, mas já fui muito pior. Antes eu confundia sinceridade com falta de educação. Tudo errado! Mal educada é a legenda e não a sinceridade!

Me sinto um filme produzido em Hollywood e assistido no Brasil. A legenda às vezes distorce o enredo.  No meu caso, ela cria uma barreira entre o que se deseja dizer e o que se pode dizer. Sim, ainda não chegamos à era da liberdade de expressão... Isso é uma farsa! 

Imagine a situação: por e-mail, recebo convite para uma festa. No convite está descrito traje passeio. Chego à festa e reparo que todos os convidados (MENOS EU) estão com traje de gala. Minha reação: “- Nossa, como vocês estão elegantes! Parabéns”. Minha legenda: “-Ah, sim, entendi, esse traje passeio é pra passear em Paris. Maldita mania minha de querer dar uma voltinha na marginal Tietê!”.

É chato não dizer o que pensa. Aliás, é chato não PODER dizer o que pensa. Já imaginou como seria se eu saísse mundo afora falando coisas do tipo:

- Você é gorda, por isso só posta fotos de comida nas redes sociais.

- Não existem óculos escuros mais cafonas que esses espelhados. Da pra parar de usar essa “coisa”?

- Meu filho, ta na hora de malhar as pernas. Você ta igual um temaki.

- Sua mulher fez pós-graduação em antipatia e doutorado em indelicadeza?

- Não, moça. As unhas não ficaram boas. Na verdade, estão uma merda! Afinal, não ta na hora de você trocar o grau desses óculos fundo de garrafa?

- É claro que eles vão ligar a TV pra assistir às festinhas espalhafatosas do BBB. Geralmente, homem gosta de mulher.

Bom. Eu teria outros quinhentos exemplos, mas é melhor guardá-los comigo. Preciso respirar, contar até dez, contar carneirinhos, contar as estrelas do céu, contar os dias do ano. Preciso fazer contas pra não perder as contas das vezes em que eu pensei em dizer absurdos.

(Dalila Lemos)

ASSALTO CIVILIZADO


Primeiro eu me senti um tender refrigerado quando entrei no ônibus da viação Resendense. Depois me entreguei ao ar condicionado e decidi sentar no último banco - onde o frio é quase insuportável. 

Engraçado que tenho uma mania: gosto de me acomodar na poltrona individual. Isso evita mp3 sem fone e conversas sem intimidade (sim, eu sou antipática durante o percurso porque gosto de dormir). Mas ontem foi diferente: a poltrona individual estava ocupada. Pensei em sentar de frente ao cobrador, mas mudei de ideia e me mandei lá pra trás.

Dormi. Sono leve. Leve o suficiente para acordar com as palavras balbuciadas de uma passageira: “ASSALTO”. Fiquei trêmula!

Um rapaz armado entrou no ônibus como um passageiro comum.  Fez sinal e entrou. Pegou todo o dinheiro que estava sob a responsabilidade do cobrador e desapareceu em menos de quinze segundos.

Pensei que meu transtorno acabaria ali. Mas tive o prazer de presenciar a inteligência do motorista que, ao invés de dar partida no veículo, ficou parado na tentativa de ligar para a polícia.

Céus! Mal sabia em qual quilômetro da Dutra eu estava. Não dava pra ver nenhum posto de gasolina por perto. Nada de motel, nada de restaurante, nada de posto rodoviário. Nem telefone para emergência eu conseguia avistar. Ao olhar pra frente eu só enxergava asfalto. Do lado direito, matagal. Do lado esquerdo, matagal.

O ônibus continuou parado e fiquei com medo de o tal assaltante voltar. Então, bateu em mim a síndrome de pobre: tirei meus tickets refeição da carteira e guardei no bolso junto ao cartão de transporte. Que leve o meu celular velhinho ou a minha mochila rasgada, mas meus tickets, nãããoooo!!! 

Um século depois, duas viaturas chegaram. Todos os passageiros desceram e foram autorizados a entrar em outra condução com o mesmo destino. Uns foram em pé... eu fui sentada, mas evitei dormir para não atrair outro assalto.

Ah! Esqueci de contar: após fazer a limpa na caixinha do cobrador, o bandido se justificou e disse “desculpa aê”. Assaltou e foi embora educadamente, com pedido de desculpas em linguagem coloquial. Santa educação!

(Dalila Lemos)

ENTRE TEMPOS


2012 acaba. 2013 começa. Nesse meio termo, há uma chuva de palavras como mudança, amor e crescimento. No meio dessa chuva de palavras, há o meu pensamento.

Pensamento só.

Só pensamento.

Uma mente que pensa em mudanças constantes, de dentro pra fora, de um segundo a outro, continuamente. Mudar não depende do ano, depende de mim. Mudar depende da maneira como eu encaro os fatos. Isso significa que posso mudar pra melhor ou pra pior. Isso significa que, se eu mudo, (pra melhor ou pior), o mundo segue. Acho que Raul estava certo: “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.

A opinião sobre o amor me levou ao ódio. Na retrospectiva, eu descobri que o ódio agora faz parte de mim. Aprendi a amar algumas pessoas, mas aprendi a odiar também. Não considero a odiosidade o substantivo mais agradável do mundo. Aliás, odiar alguém está longe de ser aprazível... Mas tem seu lado positivo: auxilia na sobrevivência. 

Sobrevivência nos leva ao crescimento. Supervivência!  É necessário sobreviver aos incômodos de um passado que não é seu para desenvolver um futuro com outra pessoa. Sobreviver à falsidade diária para aguentar 8 horas de trabalho. Sobreviver à música do ano, ao livro do ano. Sobreviver aos tecidos e às cores da estação. Sobreviver à imparcialidade inexistente, à cultura inútil, ao superaquecimento global.

Tem tanta coisa jogada fora. E as pessoas com essa mania de reciclar pensamento!

(Dalila Lemos)

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

MICROSCÓPIO ÓPTICO

Sabe, Sheila... Aquilo que te falei é verdade. Crescer dói! Não porque a barriga aumenta (esse não é seu caso) nem porque a sessão de terror do cinema deixa de ser proibida. Aliás, o terror passa a fazer parte da vida de gente grande com mais frequência e isso já não depende de ir ou não no cinema. É a vida real!

Crescer não significa soprar mais velinhas a cada ano. Não é só o fato de aumentar de tamanho, muito menos de encontrar uma ou outra marca de expressão que, até então, não existia.

Crescer é mais dolorido que isso. É se olhar no espelho e sentir saudade daquela criança que só se preocupava em jogar queimada e voltar pra casa com a roupa imunda. Criança que só tinha hora para aprender a separar sílabas no colégio ou comer brigadeiro na casa da melhor amiga. Criança cujo único medo era enxergar monstros atrás do armário quando as luzes apagavam-se.

(...)

Acontece que as luzes apagam-se. E a criança que mora na gente torna-se invisível a olho nu. Aí, então, enquanto não aparece o microscópio óptico, o corpo de adulto toma conta de um espírito infantil.

A balança passa a pesar responsabilidade sob qualquer ato. O direito de errar deixa de ser concedido e histórias como a da cegonha ou do homem do saco perdem a coerência. Fica tudo sem coesão! Porque crescer faz a gente querer resposta exata pra tudo.

O monstro do armário muda de identidade e passa a se chamar amor. O medo que ele traz consigo é lançado em forma de questionamento: “eu amei?”, “eu amo?”, “eu vou amar?”. A solidão toma conta das respostas e o mundo vai perdendo o sentido.

Não tem mais amarelinha nem pique-bandeira nem chicotinho queimado. A roda de ciranda desaparece junto com a corda e com o elástico. O peão se perde no último giro e qualquer brincadeira passa a envolver o sentimento dos outros.

A gente sofre e faz sofrer. A gente cava o abismo com a dúvida de que existe certeza.

Eu concordo com aquele lance de ter que juntar o adulto com a criança, mas acho que só da pra fazer isso depois que o microscópio óptico aparece. Só ele é capaz de mostrar o equilíbrio.

P.S: Que nome você daria ao microscópio óptico? Paz? É, pode ser uma boa... Mas é confuso ao mesmo tempo. Afinal, paz de criança a gente encontra até na sorveteria e a de adulto eu ainda não sei onde encontrar.

(Dalila Lemos)

NADA NÃO PESSOAL

Hoje não vou falar sobre política nem sobre sexo, drogas e rock’n roll. Também vou abster informações sobre o furacão Sandy, pois não concordo com o fato de um fenômeno natural ter o mesmo nome que a minha cabeçudinha preferida. Sem mais, prossigo.

Algo me incomoda. Talvez a realidade de significados extras, cujos quais eu não encontro no dicionário. Minha irmã significa benção, no sentido mais figurado de todos. E no maldito dicionário, está apenas escrito que ela nasceu do mesmo pai e da mesma mãe que eu. Saco!

Hoje ela veio falar comigo na internet.

“ – Oi, Dalis. Tudo bem?”

Sou a rainha das análises comportamentais. Se estivesse brava, me chamaria de Dalila Lemos. Se estivesse com saudade, escreveria “rrrrrr” (significa irmã, em irmanês). Mas, poxa, ela disse Dalis. Logo entendi e disse:

“ – Pede.”

Ela veio com um papo clássico que se resume em alterações para algumas artes que criei para meu sobrinho. Sempre faz isso: pede uma coisa qualquer e depois muda de ideia. Pede pra trocar uma cor aqui, um desenho ali, deletar tudo, começar de novo....

Em agosto foi essa mesma história. Me pediu uns convites para a festa de aniversário do meu sobrinho, que seria dos Smurfs. Fiz o convite com dedicação total, estilo slogan de uma rede do varejo. Aí, ela teve a brilhante ideia de... MUDAR DE IDEIA! Decidiu colocar mudinhas de trevo no saquinho de surpresa, para os convidados plantarem em casa. Óbvio que sobrou pra mim. Mudei a arte do convite mais de seis vezes. No final das contas, tive vontade de me fantasiar de smurfete e anunciar suicídio.

O mês de outubro trouxe mais mudanças. Fui intimada a criar quatro imagens para emoldurar e pendurar no quarto do moleque. Uma das imagens tinha um fundo formado por nada mais e nada menos que 657 estrelinhas brancas. É isso mesmo! Eu disse SEISCENTAS E CINQUENTA E SETE ESTRELINHAS brancas, cujas quais eu desenhei (uma por uma).

E não para por aí! Teve uma arte formada pela sobreposição de números coloridos, com fonte exótica que eu tive que me virar pra encontrar só porque ela queria igual a um quadrinho que viu. Fiz três versões para esse quadro e ela ainda arriscou o pedido de mais uma.

Teve, ainda, o quadro “Petit Prince” que quase me causou uma síncope. Tive que vetorizar uma coroa de príncipe e procurar fonte artística. Enviei para aprovação, mas a queridíssima não gostou da cor. Fiz cinco versões com cores diferentes e ela se identificou com a versão mais apagada.

A única arte que a BENÇÃO DA MINHA IRMÃ aprovou logo de cara, foi uma com o trecho da música “O Barquinho” e a ilustração. Nesse dia, choveu tão forte que a luz acabou no local onde trabalho.

Retorno ao MSN:

“- Dalis, desisti do quadro das estrelinhas. Quero um parecido com o que está nesse link. Você consegue fazer?”

Abri o link. Olhei a imagem. Horrorosa! Cafona! Desnecessária!

“ – Tem certeza que você gostou disso?”

“ –Tenho. Você não, né? Acha que consegue fazer pra mim?”

“ – Vou tentar, mas não garanto. Você é muito confusa, tem que se tratar.”

“ – Só não sou pior que você.”

“ – Pelo menos eu não uso minha confusão para te pedir nada. Enfim. Me manda um e-mail com a foto do quartinho que você falou. Vou ver se eu faço”

“ – Não precisa mais. (Com deboche) Esqueci que você é a DONA DA BOA VONTADE. Vou sair. Beijos”

... E saiu. Então cheguei à conclusão de que pessoas de Áries são estranhas e sempre pensam que estão certas. Quando falta argumento, elas se despedem apenas para levar vantagem sobre a gente.

A história acabou e eu fiquei com fama de quem não tem boa vontade. Talvez eu precise melhorar. Será que o primeiro passo é dobrar o número de estrelinhas brancas? Estou indignada!

(Dalila Lemos)

MEU BRASIL BRASILEIRO

Querido Brasil, essa não é mais uma carta de amor. São pensamentos soltos traduzidos em palavras, para que você possa entender o que eu também não entendo. Na realidade, essa é uma carta de despedida. E ainda questiono: se até o Kurt Cobain se despediu formalmente, por que eu não deveria fazer isso? Faço com convicção destacada e esperança de que um dia o Jota Quest faça o mesmo. Agora vamos ao que interessa...

Brasileiro tem uma mania um tanto quanto simplória de sentir saudade. Comemora-se o dia da saudade, expõe-se que a palavra existe somente na língua portuguesa e, como se não bastasse, acabo de descobrir que uma empresa britânica divulgou a palavra como a sétima mais difícil do mundo para traduzir. Então, querido Brasil, você olha pra mim e pergunta: “o que eu tenho a ver com isso?”. Instantânea como um macarrão, eu respondo: “não sinto saudade da sua hipocrisia”.

Quanto mais penso em você, mais difícil se torna o nosso relacionamento. Uma das minhas últimas reflexões foi sobre a moeda brasileira. Que coisa mais feia, hein: estampar dinheiro com animais em extinção! Posso não ter doutorado, mas sei que muitos animais foram extintos por causa dessas notas em que eles aparecem.

E não para por aí! Você está prestes a assumir, definitivamente, o posto de sétima maior economia do mundo. São U$$2,3 trilhões espalhados no cabelo preto da Xuxa, no emagrecimento do Ronaldo, nos gols do Neymar, no “cotão” mensal dos deputados, na “fugidinha” do Michel Teló... E, enquanto isso, eu busco explicações por ter tropeçado em um mendigo ontem à noite. Aliás, eu também tento entender com qual finalidade alguns hospitais públicos usam luva látex ao invés de fita de borracha para colher sangue.

Brasil! Meu Brasil brasileiro. Você não entende que 27 bilhões de reais é muito dinheiro para sediar 64 partidas de futebol. Você não percebe que, enquanto um único capítulo de novela gera energia equivalente a duas usinas nucleares de Angra, os livros entram para o recorde do “era uma vez”. Você não assume que os indivíduos que criam as leis são os mesmos que violam as normas. Você não admite que, só em um país subdesenvolvido, as classes C e D tem acesso aos carros e não tem acesso ao transporte público de qualidade.

Até o seu sexo é falho! Você não preza o controle de população com medidas de preservação sexual e, sim, cria programa de transferência de renda para beneficiar famílias em situações de pobreza. Será que é tão difícil entender que essa transferência de renda vai da população para ela mesma? Tudo não passa de um retorno de impostos, juros, taxas... Tudo não passa de uma manipulação.

E como se não bastasse você, ainda tem suas amizades. O seu amigo Bradesco, por exemplo, teve a audácia de me cobrar três anos de tarifas bancárias referentes a uma conta que não é mais movimentada desde 2009. Dívida que totalizou em mais de dois mil reais. Valor que não tenho como pagar, pois o meu piso salarial de jornalista é inferior a ele.

Desculpe-me, Brasil. Não tenho condições de prosseguir. Encerro nosso relacionamento, pois estou indo embora.

Talvez eu me mude para a China e faça tapetes com crianças do sexo feminino. Não! É melhor ir para Chade me aventurar com agricultura e pecuária de subsistência. Também não! Afeganistão, quem sabe, com sua interminável guerra civil.

Ok, Brasil. O problema não é com você, é comigo! Decidi ir pra Marte.

Adeus!

(Dalila Lemos)

MAIS PREGUIÇA, MENOS NOVELA

Um belo dia... Digo, há mais de dois séculos, a tal descarga elétrica resultou no funcionamento elementar do cérebro de um jornalista. Benjamin Franklin se deparou, então, com uma grande ideia. Não foi um pensamento observador de cientista. Foi algo revolucionário – como tantas outras ideias provenientes de... JORNALISTAS!

Relevante como os girassóis, cujas flores acompanham a trajetória do nascente ao poente, o homem passou a ter um papel: aproveitar as ensolaradas tardes de verão de modo sustentável. Surgiu assim, o conceito do horário de verão.

A fim de acompanhar os sonhos “madrugados” de Franklin, o amigo (e jornalista) Cadet de Vaux, publicou a importância do projeto no Jornal de Paris. Não deu em outra: formação de quadrilha, visto que dois jornalistas (juntos) valem por quatro.

Para incrementar os argumentos acerca do projeto de economia, Benjamin expôs um cálculo complexo que resultou na despesa anual de 96,075 milhões de libras gastos em cera de vela, somente na cidade de Paris. Quem, provavelmente, ADOROU a exposição dos fatos foi Josiah, o pai de Franklin – comerciante de velas de cera, que dependia do trabalho para sustentar suas vinte crias.

Muitos acontecimentos compuseram-se e desfizeram-se até que, na noite de 30 de Abril para 1° de Maio, em 1916, todos os relógios da Alemanha e da Áustria foram adiantados por uma hora.

Na década de 30, o horário de verão foi instituído pela primeira vez no Brasil, mas as autoridades revogaram o seu uso. A medida foi readotada na década de 60 e deu tão certo que, desde ontem, os comentários sobre a Avenida Brasil foram substituídos por bocejos constantes.

Carminha matou o Max porque... O céu ainda está escuro às seis da manhã. (Pausa para os bocejos).

Tessália está namorando com Darkson na vida real porque... Nem todos os relógios foram ajustados corretamente. (Outros bocejos).

Cadinho recuperou suas três mulheres porque... O calor persiste nessa época do ano. (Mais e mais bocejos).

Diante de tanta preguiça, eu tento entender há alguns anos porque esse projeto não foi reformulado. Horário de verão só funciona nas regiões distantes do Equador, onde os dias são mais longos e as noites mais curtas. Para a maior parte do Brasil, esse ajuste gera pouca economia e muito sono.

Mas tudo bem. No fundo, no fundo (bem lá no fundo mesmo) eu me sinto feliz. Pelo menos assim, o povo volta a usar o tempo como pretexto para iniciar uma conversa... afinal, já estou saturada de “OiOiOi”.

(Dalila Lemos)

ACOSTUMADOS

Acostumados a engolir o choro, a substituir tristeza por uma réplica de alegria momentânea. Acostumados a não se entregar ao sentimento que machuca, ao medo que escorre no suor do corpo. Habituados às frases prontas, à obrigação de atropelar o próprio tempo a fim de dar a volta por cima. Acomodados com o caminho mais curto, com o modelo que mais vende, com o conforto mais acessível, objetivo mais fácil e felicidade mais pronta.


Mas eu não. Não! Porque não sou hipócrita a esse ponto.

Eu fico triste, sim. Eu choro, sim. Me machuco, me enveneno, me procuro, me permito. Sinto dor, sinto saudade, sinto medo, sinto muito. Eu piso falso, eu tropeço, eu machuco, eu perco. Tenho dúvidas. Tenho fardos. Tenho erros.

Sou humana!

Aliás, eu não estaria aqui se fosse outra coisa. Um elemento perfeito, quem sabe. Eu não estaria...

(Dalila Lemos)

http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/7_288749.asp