sexta-feira, 29 de novembro de 2013

MADRUGADA

Ele se pôs junto ao pôr do sol. Mas o que me angustia realmente é o clarear do dia. Sinto o cheiro da madrugada passando, ouço os primeiros automóveis, o apito do trem, o canto de despertar dos pássaros. E já não sei se isso significa um dia a mais ou a menos! Parece que morre um pouco de mim quando o céu passa do azul negro para o azul claro.

Não é nada pessoal. São apenas lembranças iluminadas pelo brilho das estrelas. São recordações noturnas, que jamais deveriam clarear com o nascer do sol. Mas clareiam! E a temperatura já não permite que o casaco cubra o meu peito. O silêncio começa a fazer barulho. A televisão deixa de ser audiência para o vazio. E as canções... Até as canções! As canções deixam de ser só minhas.

Dia claro significa que sou dos outros. Sou do trabalho, dos vinte minutos que restam para tomar um banho e mastigar. Sou do trânsito, da buzina, da fumaça e estou em cada placa da estrada. Sou do tremor do ônibus, da enxaqueca causada pelo computador, da ojeriza que os jornais me causam e da repugnância política. Sou da mão que o mendigo estende quando chega a hora do almoço. Sou do grito, do caos, da ansiedade... 

É por isso que prefiro a madrugada! A madrugada é minha. Eu sou dela. E só tem uma coisa que complementa isso: o ponto final.

(Dalila Lemos)

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