quarta-feira, 15 de setembro de 2010

INTERFONE SEM FIO

- Sabe da última?

- Não.

- Quer que eu te conte?

- Você quem sabe.

- É. Eu que sei mesmo. Você que ainda não sabe.

- É. Não sei.

- E quer saber?

- Se você quiser contar...

- Assim fica difícil. Ou você quer ou você não quer.

- Tudo bem. Conta logo, vai!

- Ele está tomando remédio de “faixa” preta. Dizem por aí que ficou meio maluco por causa dela. O vizinho do 101 disse que a medicação não tem adiantado. Sabe como é né...

- Não. Não sei.

- Tudo bem. Não precisa insistir. Eu conto! O porteiro disse que ele pegou o maior flagra.

- E ela?

- Ta tomando remédio de “faixa” vermelha. Dizem por aí que esse é o mais apropriado.

- Dizem por aí... quem?

- O vizinho do 203. Comentou que na família há muitos casos de dependência registrados. Eu fui boba por não ouvir a faxineira do salão de festas.

- A faxineira?

- Sim. A faxineira falou que ela é dependente. Não dei muita idéia, mas, se parar pra pensar, faz sentido. Ela dependia dele pra tudo.

- E o outro?

- Toma remédio não. Só cachaça. O vizinho do 302 disse que ele é adepto às pingas medicinais. E sabe de mais?

- Quem? O outro?

- Não. Você.

- Sei sim.

- Sabe.

- Sei. Você que não sabe.
- O que eu não sei?

- A diferença entre os remédios de “faixa” preta e “faixa” vermelha.

- E qual é?

- Depende da luta.

- Quem te contou?

- O vizinho do 401. Disse que loucos são os que afirmam por aí que o certo não é “faixa” e sim “tarja”.

- Mas por que ele disse isso?

- Porque ouviu o vizinho do 503 dizer que tomava os dois tipos de remédio, pois a vida dele era uma luta.

- E você acreditou?

- Acreditei.

- Por qual motivo?

- Porque o vizinho do 504 se intrometeu na conversa e falou que eu não deveria considerar a opinião de quem mora quatro andares acima de mim.

- Mas você considerou!!!

- Considerei porque ele me fez chamar o vizinho do 103, que é ex-lutador de jiu-jitsu e atual professor de karatê. Além de, também, tomar os dois tipos de remédio e afirmar que “tarja” é uma censura.

- Era bonito?

- Muito.

- Forte?

- Do jeito ideal.

- E por que você não interfonou pra ele mais vezes?

- Porque a vizinha do 604 disse que ele só tomava o remédio “faixa” vermelha, mas a “faixa” preta passou a fazer parte da sua rotina quando se assumiu gay.

- Olho grande o dela.

- Não entendi.

- É vascaína. Ele não: é flamenguista doente. A vizinha do 601 disse que, em dias de jogos, bola no pé dele é gol de placa.

- Tive uma idéia.

- Qual? Marcar uma pelada e chamar o bonitão?

- Não. Convida-lo para tomar um sorvete. Acho melhor que tomar remédio.

- Só te aconselho a não ir à sorveteria da esquina.

- Por que isso?

- O vizinho do 703 esteve lá e disse que o sorvete não é consistente.

- Quer saber de uma coisa?

- Bem que eu gostaria, mas não temos mais vizinhos para isso... todos já foram citados.
- E agora?

- O jeito é esperar. O porteiro disse que uma moça vai se mudar para o 702 na semana que vem.

(Dalila Lemos)

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