quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O VERBO NÃO TEM CULPA

Verbo: palavra que designa ação, estado, qualidade ou existência. Ou seja, uma expressão que (igual a tantas outras) é resultado de certa invenção. Admiro invenções que são boas o suficiente para que se obtenha êxito. Geralmente, cria-se muito e aproveita-se pouco. Essa é uma das razões pela qual respeito o verbo: ele é bastante aplicado.

           Basta conversar por telefone com um atendente de telemarketing para entender o descrito. Entre a propagação das palavras é possível formar frases seqüencialmente verbalizadas, do tipo “vamos estar precisando fazer” ou “você vai poder estar adquirindo”. Acredito firmemente que os cursos aplicados aos funcionários das centrais de atendimento são frutos de muita dedicação ao senhor Gerúndio.

          O seguinte motivo que cultiva minha idolatria é a percepção de que a todo segundo pessoas falam, sentem, comem, dormem, existem. Sem verbo, essas ações são infactíveis, pois ele mantém a vida em movimento. A agitação dos termos é intensa a ponto de confundir algum empregador, o qual envia e-mail substituindo a palavra veicular por um novo invento, denominado venciluar. Desta maneira, surgem outras e outras expressões que fazem com que o mundo nunca pare de ser conjugado.

        Um dos melhores atributos da língua portuguesa é, sem sombra de dúvida, o verbo querer. Considerando sua essência, é possível entender a utilidade do pretérito imperfeito – um tempo verbal que existe exclusivamente para que o ser humano arquive com segurança seu passado defeituoso.
Definitivamente, ninguém compreende que sentir vontade no pretérito imperfeito não é tão simples quanto parece. Semelhante a um combo, o querer vem sempre acompanhado de uma série de motivos que afetam o poder. Basta falar queria somente uma vez para ouvir alguém perguntar se você já não quer mais. Por isso afirmo impiedosamente que, entre todos os tempos e verbos, esses são os mais incertos.

        Para compensar tamanha improbabilidade e um possível desapontamento, existe uma expressão visual e sonora, denominada riso, que é inexplicavelmente inserida no presente. Dizer eu rio é tão inspirador e contagioso quanto à risada em si, pois, enquanto alguém avalia essa palavra, instantaneamente pensa em um flúmen, córrego ou qualquer outra extensão que contenha água.  Desta maneira, o verbo simplesmente justifica o comentário de quem afirma “rir litros”.
           
        E não pára por aí! O mundo pode ter mudado simultaneamente com a forma do pensamento humano, mas relacionamento aberto ainda é assunto que gera bastante discussão. Portanto, é preciso mais do que nunca, considerar a generosidade do verbo ao sustentar os pronomes e seus casos.
        
       Para finalizar (se é que cabe a mim essa decisão tão ajuizada), sinto necessidade de defender a maior de todas suas qualidades: o verbo é um funcionário tão paciente que atura as importunações vindas de quase todos seus empregos. As pessoas preferem julga-lo a conjuga-lo e dizem por aí que descendente de português não merece muita afeição.
           
       Eu não concordo com essa ladainha. Enquanto meus ouvidos escutam alguém falar que “deveria ter trago algo a mais” (como se trazer fosse marca de cigarro) ou meus olhos observam indivíduos pegando o futuro do pretérito com m no final, apenas uma frase passa em minha cabeça: O VERBO NÃO TEM CULPA!

(Dalila Lemos)

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