quarta-feira, 15 de setembro de 2010

LUA TORTA

O celular tocou e o olho voltou-se para o céu. Lá estava ela: cheia, linda, amarelada e completamente torta. Parecia massa de modelar nas mãos de uma criança, ou quem sabe, uma ferramenta elipse distorcida por algum viciado em Corel Draw. Mas de fato era a lua e, de fato, estava torta.

O horóscopo do dia anterior falara sobre uma crise astrológica. A voz que se ouvia no aparelho móvel foi substituída por uma hipótese: a nuvem havia provocado toda essa confusão. O difícil seria convencer as pessoas de tal façanha... tão complicado que, pela rua, já reinava o comentário de uma moça: “nossa, a lua está torta! Que coisa mais estranha!”.

Em algumas horas corridas o único satélite natural da terra perderia a vez para o sol. Alguma providência deveria ser tomada enquanto noite. Mas não havia o que fazer. E para completar, aquele fenômeno tornou-se tão hipnótico que o ouvido já não escutava a voz na linha telefônica. Seria impossível substituir a visão pela fala.

Subitamente, o olhar descobriu algo imprescindível que nada tinha a ver com os astros. Havia alguém na janela do último andar de um prédio que ficava, exatamente, abaixo daquele pedaço de céu. Uma das mãos segurava um celular, a outra se mantinha apoiada no pára-peito.
Iluminada por reflexos distorcidos, a cidade parecia o que não era há muitos anos. Se passavam carros buzinando sem pretexto ou casais discutindo sem motivo, já não fazia a menor diferença. Aquela voz calma não vinha apenas da linha telefônica e, sim, do décimo andar do edifício.

Esperou batimentos cardíacos acelerados. Não houve êxito... nem para um provável nervosismo, nem para o esperado medo ou outra coisa qualquer. Tudo se resumia na curiosidade e no anseio de descobrir o porquê de tanta diferença. Havia um desejo eloqüente de saber se a culpa era mesmo da nuvem e não do tempo, já que esse foi capaz de mudar até a forma de sentir.

Abandonou a imprecisão e observou o céu movendo-se lentamente. Aquela bola era mais certa que qualquer certeza! Então decidiu ouvir a voz no telefone pela última vez e, usando três letras, negou a saudade em troca de uma lua torta.

(Dalila Lemos)

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