Um dia pretendo descobrir o que é mais cansativo: o desgaste físico ou o emocional. Almejo desvendar o mistério do veneno contido na fala, nas frases de quem não aprecia as palavras, nas letras que oscilam pelos ares. E pretendo agradecer por essa toxina ser ineficaz quando misturada a venenos delirantes.
Quando acordo, a cidade ainda dorme. Vejo o céu clareando aos poucos, o sol nascendo para iluminar mais um dia. Sinto o cheiro de café vindo da padaria e da terra molhada nos jardins. Às vezes me deparo com mães levando seus filhos ao colégio ou algum servente cumprindo sua função diária. Não sei, mas acho que a mistura de tudo isso somada à brisa leve que bate e arrepia meu corpo faz com que eu me sinta feliz por ser amante da simplicidade.
Enquanto observo as folhas de outono caídas ao chão, deixo em meu rosto um sorriso exultante. Mas sinto que ainda há algo errado... e o erro não é meu: é de quem acorda reclamando por levantar cedo, por não ganhar o salário que gostaria, por odiar dias quentes e não ter aproveitado todos os momentos por medo. O erro é DOS outros, o inferno são OS outros. Nesse inferno, o que eu gostaria mesmo era ter a opção de fazer com que toda energia negativa fosse embora, permitindo que cada coisa voltasse ao seu lugar: as palavras nas frases certas, as letras nas palavras, o som nas letras...
Então eu começaria de novo, já sabendo que o desgaste físico é menos cansativo e mais agradável que o emocional. Agradeceria pelas pernas que me movimentam e pelas descobertas em cada passo. O mesmo sol, cheiro de café, terra molhada, mães com filhos, servente, brisa e arrepio... a diferença estaria nos outros, que já não seriam um erro e sim um complemento para meu sorriso exultante.
(Dalila Lemos)
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