quarta-feira, 15 de setembro de 2010

ERA UMA VEZ...

Dia desses, há uns dez (se não me engano), descobri algo acentuado. Digo acentuado por fazer parte de um episódio relevante, mas, peculiar também seria uma boa definição. Na verdade, foram várias descobertas e não apenas uma.

A primeira delas está escondida na penumbra que envolve o término da madrugada e o início da manhã. Seis horas tornou-se um horário altamente ameaçador! Tantas ruas desertas, alguns bandoleiros vagando e o perigo longe disso: encontrava-se justamente no comportamento das pessoas e na maneira como elas lidavam com esse horário.

Foi inacreditável avistar um senhor em sua bicicleta, se abstendo de utilizar ambas as mãos, empurrando os pedais com ânimo nos pés e declamando o Rebolation com gritos ensurdecedores. Eu, instantaneamente pensei: “meu Deus, o que está acontecendo com os cidadãos? Se é que podemos chamá-los assim...”. Fixei meus olhos no relógio e discorri: “deve ser o horário... dizem que o sono afeta a conduta alheia”.

A segunda descoberta foi, praticamente, um complemento para a anterior e se fez presente no momento em que, logo após saborear um prato de comida, retornei ao trabalho e ouvi alguém cantarolar o Meteoro da Paixão. Tal acontecimento foi o suficiente para eu concluir que o problema não estava contido apenas no início do dia e sim nessa nova temporada em que vivemos.

Era uma vez a época em que rebolation se limitava a alguma brincadeira, onde a mistura do português com o inglês formava palavras sem nexo. Meteoro não passava de um fenômeno luminoso, também conhecido como estrela cadente, que jamais explodiu qualquer sentimento. Além do mais, não existia banda de forró com nome de biscoito de chocolate, cantor com nome de salada, tampouco algum grupo de pagode adversário de produtos eletrônicos.

A terceira descoberta estava refreada no anseio de dividir esse desprestígio reflexível com o primeiro que aparecesse. Eis que meu desejo foi entornado, por inteiro, nos trezentos decibéis propagados por um automóvel de cor preta. Eu não estava ficando louca, estava apenas ouvindo uma composição sonora designada Vale Night.

Aquela circunstância despertou em mim a maior ambição de todas que já tive e senti necessidade de avistar um carro, daqueles bem caro e equipado, estrondando um som do Chico Buarque. Mais que isso... eu queria entrar de penetra num churrasco que estivesse tocando Toquinho ou numa festa de tributo aos Beatles. Adoraria se no camarote VIP de alguma boate tocasse BB King, Tom Jobim no Happy Days das rádios e nas micaretas eu pudesse ouvir Noel Rosa.

Pretensões quase tão impossíveis quanto um milagre capaz de devolver a cultura ao mundo. E eu estava certa de que haveriam alienados o suficiente para se opor a cada fração do meu pensamento. O que me fez seguir em frente com as palavras não foi apenas o fato de saber que há tanta droga no mundo, mas também a vontade de entender por que as pessoas se permitem digeri-las e ainda pensar que quero dividir com elas.

(Dalila Lemos)

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