quarta-feira, 15 de setembro de 2010

EXPLODINDO O MUNDO

Ela já acorda perdendo a vez pro uso incorreto dos 10 minutos que restam. O celular desperta e, ainda muito insistente, afirma que não quer ir embora. Para quem não sabe, o silêncio também fala. Sem opção, levanta da cama e põe os pés sobre o asfalto.

 A plataforma 1 é quase uma novela. Há dias em que os passageiros até mudam de cor devido a tanta espera. Quando a condução chega, é hora da atuação. Já viu deficiente físico correr, gordinha murchar a barriga, mulher esbelta ajeitar o decote... tudo que possa chamar atenção do motorista para que ele pare num ponto estratégico. Parece incrível, mas esse “ponto g” é sempre o mesmo: o lugar em que ela fica parada.

Uma hora de viagem, alguns quilômetros de caminhada. Chega ao trabalho, olha a lista de afazeres e toma um café enquanto pensa por onde começar. Se um mau começo é o fim, significa que ela sempre inicia bem, pois o final nunca se aproxima.

Esses dias mesmo comparou a situação com alguns filmes de terror. Quando o telespectador pensa que o Halloween VI é o último, incluem mais cinco na seqüência. Não satisfeitos em saber o que vocês fizeram no verão passado, sentem-se honrados por continuar sabendo e ainda se orgulham de tamanha memória dizendo que sempre saberão. É tudo tão aterrorizante que uma só não basta: é preciso sentir pânico quatro vezes.

Ela acelera a eficiência. Mas o telefone toca, o celular vibra, o ramal chama, o e-mail chega, as pessoas surgem. De vez em quando a chuva cai e, ironicamente, ajuda ainda mais.

Para encerrar o expediente é preciso passar óleo de peroba no rosto e ter cara de pau para pedir que a carona espere mais uns cinco minutinhos (que acabam se transformando em quinze).
Come amendoim enquanto volta pra casa, porque dizem que ajuda a controlar o sono. Ela ainda quer se encontrar com alguém, mesmo sem ter aproveitado a oportunidade de falar sobre essa vontade.

Andando pela casa, descobre suas amizades: os bichos de pelúcia, as fotos, tintas de cabelo, a interferência da televisão... quem sabe ainda aquelas formiguinhas que roubam o farelo do bolo ou até mesmo as bactérias grudadas naquele microscópio da década de oitenta que sua irmã guarda até hoje. Diria que os deuses poderiam ser amigos seus, mas o tempo? Absolutamente não!

    Ela percebe que já é tarde e não haverá com quem compartilhar o cansaço dessa vez. Não perde manias, apenas a tranqüilidade. Então, certamente frustrada, lava o rosto pra remover toda maquiagem. Guarda seu cachecol, suas jóias. Tira o salto de dez centímetros que tanto espreme seus pés e aquela lingerie que nem os gênios explicam o por que de tantos detalhes. Toma um banho sem pressa e se envolve no edredom igual a um rolinho primavera.

Precisava dormir, mas algo a incomodava. Não era fúria, impaciência nem descontentamento. Então, foi preciso forçar as pálpebras e manter os olhos abertos. Pegar um papel, uma caneta e escrever um segredo: não havia a intenção de explodir o mundo... ela só queria colo.

(Dalila Lemos)

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