- Sabe da última?
- Não.
- Quer que eu te conte?
- Você quem sabe.
- É. Eu que sei mesmo. Você que ainda não sabe.
- É. Não sei.
- E quer saber?
- Se você quiser contar...
- Assim fica difícil. Ou você quer ou você não quer.
- Tudo bem. Conta logo, vai!
- Ele está tomando remédio de “faixa” preta. Dizem por aí que ficou meio maluco por causa dela. O vizinho do 101 disse que a medicação não tem adiantado. Sabe como é né...
- Não. Não sei.
- Tudo bem. Não precisa insistir. Eu conto! O porteiro disse que ele pegou o maior flagra.
- E ela?
- Ta tomando remédio de “faixa” vermelha. Dizem por aí que esse é o mais apropriado.
- Dizem por aí... quem?
- O vizinho do 203. Comentou que na família há muitos casos de dependência registrados. Eu fui boba por não ouvir a faxineira do salão de festas.
- A faxineira?
- Sim. A faxineira falou que ela é dependente. Não dei muita idéia, mas, se parar pra pensar, faz sentido. Ela dependia dele pra tudo.
- E o outro?
- Toma remédio não. Só cachaça. O vizinho do 302 disse que ele é adepto às pingas medicinais. E sabe de mais?
- Quem? O outro?
- Não. Você.
- Sei sim.
- Sabe.
- Sei. Você que não sabe.
- O que eu não sei?
- A diferença entre os remédios de “faixa” preta e “faixa” vermelha.
- E qual é?
- Depende da luta.
- Quem te contou?
- O vizinho do 401. Disse que loucos são os que afirmam por aí que o certo não é “faixa” e sim “tarja”.
- Mas por que ele disse isso?
- Porque ouviu o vizinho do 503 dizer que tomava os dois tipos de remédio, pois a vida dele era uma luta.
- E você acreditou?
- Acreditei.
- Por qual motivo?
- Porque o vizinho do 504 se intrometeu na conversa e falou que eu não deveria considerar a opinião de quem mora quatro andares acima de mim.
- Mas você considerou!!!
- Considerei porque ele me fez chamar o vizinho do 103, que é ex-lutador de jiu-jitsu e atual professor de karatê. Além de, também, tomar os dois tipos de remédio e afirmar que “tarja” é uma censura.
- Era bonito?
- Muito.
- Forte?
- Do jeito ideal.
- E por que você não interfonou pra ele mais vezes?
- Porque a vizinha do 604 disse que ele só tomava o remédio “faixa” vermelha, mas a “faixa” preta passou a fazer parte da sua rotina quando se assumiu gay.
- Olho grande o dela.
- Não entendi.
- É vascaína. Ele não: é flamenguista doente. A vizinha do 601 disse que, em dias de jogos, bola no pé dele é gol de placa.
- Tive uma idéia.
- Qual? Marcar uma pelada e chamar o bonitão?
- Não. Convida-lo para tomar um sorvete. Acho melhor que tomar remédio.
- Só te aconselho a não ir à sorveteria da esquina.
- Por que isso?
- O vizinho do 703 esteve lá e disse que o sorvete não é consistente.
- Quer saber de uma coisa?
- Bem que eu gostaria, mas não temos mais vizinhos para isso... todos já foram citados.
- E agora?
- O jeito é esperar. O porteiro disse que uma moça vai se mudar para o 702 na semana que vem.
(Dalila Lemos)