segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A QUESTÃO


A questão não é ser egoísta, orgulhosa, dona da razão. Não é só isso, tem mais coisa! Não é só ser humana... é ser humana, ridícula e limitada. É atropelar o tempo, atropelar os sentimentos, atropelar as idéias, as conquistas, o espaço sideral. É pisar em castelos de areia, plantar espinhos, fazer com que o sólido entre em estado de vaporização.

A questão é ver os defeitos ao invés de cuidar das 
qualidades. É não ter medo do medo que se possa ter. É buscar o que já se tem e deixar escapar o que se busca. É fazer tudo errado sempre, por mais que os conselhos existam.

A questão é mudar o cronograma, de forma banal, e se perder na ocasião. É acordar do sonho quando ainda é madrugada. É ser o braço direito do arrependimento e o lado esquerdo da razão. 

A questão é perceber que já é tarde, que já não é esperado o que se espera. Sentir uma dor que eleva mil agulhadas no peito. Sentir vontade de nunca mais sair de um abraço e não encontrar uma fórmula capaz de resultar em si mesma.

(Dalila Lemos)

BRAÇO DIREITO DA MUDANÇA


Não é simplesmente dizer que sou a favor do aborto. Ainda que eu não tenha coragem nem vontade de faze-lo, considero menos agressivo que o abandono.

Vida sem carinho é vida jogada no lixo. É pra lá que eles vão, é isso que eles podem se tornar quando uma gravidez indesejada não é interrompida. Lixo! Resíduo de esperança no cérebro, destroços de futuro, restos da essência de existir.

É estranho falar a respeito, pois ter a mente aberta não significa tornar-se insensível. E é difícil ser a favor de um gesto tão cruel e assustador. Não digo desumano, pois é humano a partir do momento em que destrói a própria natureza e o próprio ciclo... Mas trata-se de um gesto que limita a opinião até dos estudiosos e especialistas.

Por trás de todo o processo que engloba os verbos ENGRAVIDAR, DECIDIR e INTERROMPER existe aquela velha questão mal discutida pelos governantes: a educação. O mesmo acontece com os verbos NECESSITAR e ROUBAR, MATAR ou MORRER, PROSTITUIR e GANHAR.

Educação é a chave que poderia abrir portas para caminhos não explorados... Caminhos que não fazem parte das propostas políticas que assistimos na televisão, dos dados orgulhosamente impressos nos outdoors ou dos jingles propagados a mil decibéis.

É uma tarefa complexa expor a idéia de que instrução é o braço direito da mudança, embora seja verdade. Povo instruído é povo que sabe como cuidar mais da saúde e, com isso, diminui o quadro de enfermidades. Povo que tem educação é povo que aprende outras formas de ganhar dinheiro e descarta a possibilidade de vender o corpo para se sustentar. Instrução pode fazer com que a morte escolha a vida, o mal escolha o bem, a escuridão escolha a luz.

E, depois de tudo, o que dizer em relação ao aborto? Não sou contra ele, mas sou muito mais a favor do preservativo que a população deixa de usar por falta de instrução. 

(Dalila Lemos)

TEMPO E PERDA



Às vezes esqueço. Compromissos, letras de música, momentos passados, textos... Esqueço-me! Vida agitada dá nisso: a gente fica sem lembrar o tom do último tonalizante que coloriu as madeixas desbotadas, deixa passar o aniversário da amiga, perde a noção de como está grande o afilhado. Esquece quando é dia de lua cheia, quando é dia de ir ao médico ou qualquer outra das centenas de datas comemorativas. 


Correria é sinônimo de esquecimentos absurdos. Já perdi as chaves e encontrei-as na geladeira, próximas ao requeijão, no compartimento de frios. Que hilário! Perdi também alguns trocados e encontrei-os dentro de um par de meias, naqueles rolinhos que muita gente tem mania de fazer. Um verdadeiro absurdo!

Celular já ficou no banheiro. Já achei CD na maleta de maquiagem, vesti blusa ao contrário, coloquei cadarços diferentes em tênis iguais e brincos de pares trocados nas orelhas. Se bobear, já até bebi uma cerveja de uma marca pensando que era de outra.

Correria é sinônimo de perda. Perda de tempo pra mim. Tempo para me dar o luxo de não ter que correr para pegar o ônibus, tempo para tomar o café da manhã sentada, para dormir as oito horas tão exigidas pelo próprio organismo e para assistir ao meu DVD favorito... 

Mas sabe de uma coisa? Tempo pra mim eu não ligo de perder. O que me dói é perder pessoas que amo por não ter tempo de perceber que elas estão indo embora.

(Dalila Lemos)

TERRA E ASFALTO




Um fim de semana é pouco. Sábado e domingo poderiam durar mais tempo, visto que a vida no campo passa rápido demais. Só a sensação agradável de respirar um ar puro já consome boa parte do dia... E ainda tem ponteiro de relógio pra provar que vinte e quatro horas não duram nada quando o céu está todo estrelado.

Vida no campo é vida que vale a pena! Ninguém acorda com buzina de caminhão, com propaganda política nem ronco de moto. O funk passa longe, o celular não toca e o único barulho que se escuta à noite é do vento batendo nas árvores ou das gotas de chuva molhando a terra.

Cheiro de café logo cedo. Comida feita no fogão à lenha. Água sem cloro, bicho sem jaula, alma sem poluição. 

Depois fica difícil: é um tal de dobrar edredom, arrumar a mochila e pegar travesseiro pra ir embora. 
É um tal de perder de vista a estrada de chão e encarar o asfalto debaixo de um céu preto. 
Pior quando chega em casa: é notícia ruim na televisão, fruta cheia de agrotóxico, gritaria nas igrejas, “tchetchererê” no carro, pedra no cachorro, panfletos no chão, briga nas ruas, sirene nas ambulâncias... Não é à toa que o estômago embrulha! Não é por falta de motivo que o sono não vem.

Entre prédios e fábricas, entre ternos e gravatas, há muita coisa pra entender. Parece que macumba compra cargo, falsidade garante emprego, dinheiro sustenta amor, interesse atrai amizade e consideração não significa nada. Vida na cidade é vida esquisita!


(Dalila Lemos)

NÃO DE SEGUNDA



Eu queria falar das flores, mas não consigo. Queria dizer que é melhor fugir do prejuízo que correr atrás dele. Ou então falar sobre guerra, fazer crítica política, mostrar as injustiças do mundo. Poderia comparar canções ou mostrar entusiasmo com algum filme em cartaz nos cinemas. Mas não... Eu não consigo! Então decidi: vou contar sobre o meu dia. 

Acordei muito cedo. Todos que me conhecem já sabem que detesto levantar com as galinhas. A televisão ligou sozinha às seis, como uma forma de gritar irritantemente no meu ouvido “levantaaaaaaaaaaaa e vai trabalhaaaaaaaaaaar!”. Que triste é essa comunicação com os eletrodomésticos! Pior ainda quando o alarme do celular insiste em reforçar o recado. Peço desculpas, mas existe em mim certa rebeldia quando o assunto é segunda-feira e NÃO, eu NÃO  recebo ordens de despertador!

Vinte e cinco minutos  passaram até que decidi tomar um bom banho, quente e demorado. Tentativa em vão, porque nenhum chuveiro que se preze fica realmente quente quando os galos ainda estão cantando. O jeito foi não enrolar tanto e acabar logo com isso.

Troquei de roupa. Uma peça no corpo e outra na mão: é assim que funciona quando tenho que trabalhar em mais de uma gravação. A mochila fica cheia igual ao ônibus que entro e a coluna vai pro saco.

Depois é hora de esperar. Esperar o sol decidir se vai ou fica, esperar o  vento parar de soprar no microfone, esperar a terceira idade falar mais baixo... Esperar o caminhão sumir do cenário, a moça da faxina batucar a lata de lixo, o casal da caminhada passar logo em frente à câmera. Se gravação de segunda-feira fosse nome de filme, seria “A espera de um milagre”.

Mas tudo bem. Uma hora acaba! Então eu me sento em frente ao computador e escrevo qualquer coisa. Enquanto o isso, o dia cai. Enquanto isso, eu tenho a certeza de que na terça vai ser tudo diferente. 

(Dalila Lemos)

LUZ, CÂMERA, AÇÃO

Parece que a cabeça é um saco e esse saco enche. Aliás, eu nunca tive muita paciência mesmo! Nem com a fé cega ou jornais matutinos, nem com o sono que sinto antes das dez e nem com o calor de meio dia. Já dizia Beckett: “Nem com nem em pensamento”... Quem dirá com falta de atitude!

Me irrita perceber quantas construções já desmoronaram por causa desse comportamento. São casamentos desfeitos, sonhos inatingíveis e planos irrealizáveis que se resumem a um ponto de interrogação. Por quê? Simples! O mundo não para nem enquanto dormimos!

Ao nosso redor tudo se modifica a cada instante. A vida se reinventa por mais que o ciclo se resuma a nascer, crescer, reproduzir e morrer. E se ficamos parados, nada disso faz sentido.

Atitude é um propósito que não sobrevive sem ação. É ridículo desejar que as projeções se concretizem enquanto esperamos acuados. Pior ainda: é péssimo não ter projeções!

Se o meu pensamento tem algum valor, então aja! Porque eu perdoo outras faltas. A do senso, quem sabe... A falta de bom gosto, a falta de dinheiro, ausência de motivação. Entendo a carência de informação e até respeito a escassez de juízo. Mas a falta de atitude atinge o meu limite.

(Dalila Lemos)

FORA DO LUGAR


Às vezes eu tenho a sensação de que está fora do lugar algum objeto, algum pensamento, algum desejo. É como se estivesse faltando alguma coisa dentro de mim. Alguma coisa que não encontro nos trailers, que não assisto nas novelas, que não vejo passar com nenhum carro nas ruas.


Ouço músicas que se transformam em lembranças e voltam a mim em forma de vazio. É como se a única coisa que sobrasse fosse espaço... Um lugar não preenchido, uma nota não tocada.



Tenho a sensação de que o dia fica escuro, o verão fica frio, os ponteiros correm em sentido anti-horário. 



Parece que a vida se resume em esperar por algo que não existe mais.

(Dalila Lemos)

IGUAL

http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/7_286188.asp

Entrar no mesmo ônibus. Viajar para o mesmo lugar. Abrir a mesma janela. Olhar a mesma paisagem. Beber o mesmo vinho. Escolher a mesma opção no cardápio... Parece monótono, mas não é.

O que muda as situações é a nossa maneira de enxergá-las e tratá-las. E quando o igual torna-se diferente por conta desses fatores, é sinal de que o tempo passa e de que o mundo muda!

Hoje percebo que tudo em minha volta está em constante mudança, mas, ainda assim, é necessário que eu me permita ao novo e faça do igual diferente.

Não posso me entregar a um pensamento quadrado, a um corpo sem espírito. Não posso permitir que meu papel torne-se secundário nesse grande espetáculo que é a vida. Pra isso, preciso estar aberta a cada ponto capaz de mudar e mover o mundo de forma distinta.

Por isso hoje, vou amar a mesma pessoa de outra forma. Vou deitar na mesma cama e me aconchegar de outro modo. Vou andar pelos mesmos caminhos e chegar a um destino diferente.

(Dalila Lemos)

sexta-feira, 8 de junho de 2012

AMOR QUE NÃO COMPENSA



Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão, constatou Vinicius de Moraes. Mas será que distante de um coração poeta-poetinha somos melhores por aceitar o que não vale a pena? Há algum tempo eu me questiono sobre isso.

O que eu vejo hoje em dia é um amor que vai muito além dos beijos, planos, perspectivas de futuro e cumplicidade dos amores descritos em poesias. Amor de hoje é conveniente e egoísta. Ama-se por andar de carro, por ter quem atenda aos interesses pessoais e até por medo de ficar só. Ama-se por beleza, por status, por dinheiro, por aparição, por conforto.

Amor de hoje é comodismo... Porque é fácil ter por ter, ser por ser, estar por estar. É viável perceber que o relacionamento não vale a pena e colocar, ao invés de um ponto final, a culpa no amor. Ou seja: é mais prático tentar se convencer que ama do que se entregar à solidão.

Aceitar um sentimento cômodo é tirar a coberta no frio e guardar o filme na gaveta. É limitar-se ao beijo sem paixão, ao sexo sem desejo, à rotina sem tempero. Amar por amar é a fórmula exata da ciência exata: não tem a graça da descoberta a dois.

Sem generalizar. Longe da realidade de quem conserva o sentimento mais puro, faz-se o verbo falso e torna-se o substantivo inútil. Amar por nada, amor em vão.

(Dalila Lemos)
               

segunda-feira, 28 de maio de 2012

DÚVIDAS PASSADAS

Doze anos. O professor de matemática entra na sala e questiona por que eu não levo a vida a sério. Simples: meu cérebro se preocupa com qual roupa usar no primeiro dia de aula. Fichário ou caderno? Cabelo preso ou solto? Trecho de Legião ou de Djavan? Plano a ou Plano b? Ir ao show ou viajar? Fazer brigadeiro ou estudar pra prova?

Escolhas de doze anos sempre ficam sempre na lembrança... Ter o direito de mudar de ideia, também. Trocar a roupa, abrir mão do fichário pelo caderno da amiga, prender o cabelo e soltar depois, escrever Legião e ouvir Djavan, nem a nem b: plano c, ir ao show e viajar depois, fazer brigadeiro antes de assistir filme e só estudar pra prova de recuperação.

Sinto falta daquelas dúvidas... porque dúvidas de doze anos não doem tanto! São brincadeiras entre amigas, um motivo qualquer que justifique alguma coisa. Mas todo mundo cresce e todo o mundo muda...

As decisões mudam de opcionais para necessárias. Tornam-se adversas. Nos consomem, nos machucam, nos modificam. Interferem no sono, no trabalho, no convívio social. As decisões nos limitam e nos esgotam por não termos mais doze anos.

(Dalila Lemos)

quinta-feira, 10 de maio de 2012

SE


Se eu pudesse intervir, te mostraria que flores também tem espinhos. Faria você caminhar descalço pra sentir o chão de uma maneira diferente. Levaria novas viagens aos seus sonhos e personagens distintos ao seu palco.

... Escreveria números ao invés de palavras, só pra sair da rotina
... Inventaria um relógio que parasse o tempo quando você estivesse ao meu lado.
... Aprenderia a dizer o certo na hora certa e a não errar sem intenção.

Se eu pudesse intervir, não deixaria você complicar tanto a vida. Assumiria a responsabilidade do que você pensa e te faria sentir um pouco mais.

... Anotaria novos planos na sua agenda.
... Criaria doces que não engordam, só pra você comer sem culpa.
... Arrumaria motivos e não pretextos. 
... Escureceria a solidão daquelas noites em claro.

Se eu pudesse intervir, fecharia sua mão para evitar que eu escape por entre os seus dedos. Te mostraria  que decisões são necessárias a todo instante, por mais que machuquem os que estão a sua volta. Pediria pra você fechar os olhos para eu te entregar um mundo sem medo.

Talvez assim, viveríamos em paz. Talvez assim, (simplesmente) viveríamos.

 (Dalila Lemos)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

TRÊS E MEIA

Já é madrugada. Não adianta pensar na ética ou na psicologia logo agora... Não agora! Porque, enquanto os ponteiros correm contra a razão, os princípios se misturam.
Três e meia da manhã não é um horário que depende da minha vontade para se tornar sugestivo ao sono... Tanto que não consigo dormir! Algumas vezes, não depende de mim. Outras, não depende de você. As escolhas nos escolhem, sabia?
 Nos permitimos errar quando o desejo fala mais alto. Depois, desejamos de novo (com mais intensidade). E de novo (com mais pureza). E novamente (com mais vontade de nos ajustarmos aos erros).
Eu só queria dizer que não existe culpa... Mesmo quando nossos pensamentos multiplicam-se e embaralham-se, mesmo quando o medo tenta falar mais alto ou quando os dias se repetem.
Agora, que ainda é madrugada, minha insônia me cala com perguntas. Então eu penso que algumas coisas acontecem simplesmente por acontecer. Depois volto a dormir... desejando tudo de novo.
Não é minha intenção que a bomba exploda, que as cartas virem, que o julgamento venha à tona por nosso mundo não ser o mesmo. Mas não precisamos olhar pela janela com óculos escuros, porque viver já é um risco! E riscos são sempre riscos: não se distinguem por situações.

(Dalila Lemos)


ANÁLISE DA VIDA PRÓPRIA

http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/7_284651.asp

Adoro quando o computador trava e o celular reinicia. É sinal de que devo respeitar a individualidade dos objetos, pois eles têm vida própria e não são movidos aos meus milhares de afazeres diários. Uma afronta!

- Você acredita que aquela maluca hoje consultou os registros de ligações, ouviu música, acionou o despertador, criou um novo lembrete e enviou mais de trinta mensagens simultaneamente?

- Acredito, meu caro. A insana não respeita nem minha digestão... Ela tem mania de me ligar na hora do almoço! Mal começo a funcionar e a apressada já abre um programinha de mensagens instantâneas. Não satisfeita em conversar com três amigos ao mesmo tempo, resolve pesquisar no site de busca, digitar um documento, conferir os portais de notícias e ainda acessar três e-mails diferentes.

- Nossa! É muito pra mim. Tem hora que não aguento, cara! A lentidão faz parte da minha genética... Quando vibro junto com aquele barulhinho de mensagem, já sei no que vai dar: reinicio na hora!

- Eu fico é nervoso com tudo... Faço de propósito mesmo! Quando percebo que ela está no auge de uma conversa ou de uma pesquisa, travo na hora. Já fiz essas maldades durante transferência de dados e até no fim de downloads.

- Eu devia deixar de ser bobo e agir igual a você. Pouco importa! O celular anterior ficou pra trás porque não estava dando conta do recado. Se bobear, minha hora já está chegando sem aviso prévio.

- Alguma vez você já desabafou assim com alguém?

- Não. E você?

- Sempre ocupado... Nunca tive a oportunidade.

- É. Eu entendo!

- Será que a doidinha já nos imaginou conversando sobre tudo isso?

- Duvido! Ela tem muito mais o que fazer. Não está vendo?

- Só um minutinho, por favor. Vou me reiniciar.

- Eu te espero. Vou dar uma travadinha aqui.

(Dalila Lemos)

MEU QUERER EM SILÊNCIO

http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/7_284320.asp

Às vezes eu queria ter a oportunidade de decidir.

Queria que as decisões tivessem o peso e o preço que eu desse a elas, para que só custassem caro quando eu realmente permitisse.

Queria que o tempo parasse em alguns momentos, acelerasse em outros e não fizesse tanta diferença nos restantes.

Queria não me forçar a encontrar motivos, mas aceitar que certas coisas simplesmente acontecem.

Queria que decidir não doesse tanto na hora de dormir.

Queria que o meu querer não atrapalhasse o querer de outras pessoas. E não queria me tornar extremamente responsável por aquilo que cativo.

Às vezes, eu queria poder querer de verdade! Queria até que a realidade fosse igual aos meus pensamentos! Mas quando vejo, estou querendo escondido... com medo... e sem ninguém ao meu lado.

(Dalila Lemos)

OBJETIVOS DO ACASO

http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/7_284146.asp

Pra começar, quero dizer que a expressão neguinho nada tem a ver com racismo ou outro tipo de preconceito conforme algumas pessoas alegam em brincadeiras. Prossigo.

Neguinho tem mania de fazer oração, promessa, mandinga, pacto, simpatia, aposta... Tudo com a finalidade de atingir um objetivo amoroso, profissional, financeiro ou estético.

Já vi gente se entregar ao Santo Expedito em troca de um carro. Também conheci pessoas capazes de costurar a boca do sapo como recompensa pelo grande amor. Há quem caminhe do Rio a Salvador a pé, caso consiga uma vaga de emprego. Existem também aqueles que são capazes de apostar boa parte do salário nas dietas milagrosas.

Que alguém me corrija se eu estiver errada, mas acredito que resultados são frutos do nosso esforço e não apenas das nossas apostas ou crenças religiosas. Existe uma sátira que expõe de bom modo o que estou dizendo: um sujeito implora a Deus que o conceda o bilhete premiado da loteria e Deus responde que para ajudá-lo é necessário que ele jogue, antes de qualquer coisa.

A mais pura verdade? Absolutamente! Sem esforço e dedicação os objetivos não se transformam em resultados. É claro que (em raros casos) aquela velha frase de que toda regra tem exceção é válida. Algumas vezes, podemos contar com a ajudinha da sorte e até da coincidência.

Ontem mesmo, o acaso cooperou com meu propósito físico. Fui pra casa da minha mãe após um treino, com duração de uma hora, na academia. Ao chegar, me deparei com um bombom envolvido por uma linda embalagem de selofane amarelo.

Logo eu, que não costumo ligar a mínima para os doces, cai em tentação e decidi me entregar ao desejo. Sabe o que aconteceu? Na parte de dentro da embalagem tinha uma mensagem que dizia: "a vida é muito curta pra você não dividir esse bombom com alguém".

Foi melhor que simpatia! Dei uma folga aos santos e não precisei nem fazer promessa para excluir cinquenta por cento das calorias: Interpretei da minha forma e decidi comer só metade do chocolate. A outra metade, dei pra minha mãe.
 
(Dalila Lemos) 

REVIRAVOLTAS DA VIDA


Gostava de um garoto quando eu tinha treze anos. Ele usava uma touca de lã roxa na cabeça, tinha uma barba alaranjada, olhos verdes e uma cara de quem não curtia meninas da minha idade. Era vocalista de uma banda de rock. Hard-core. Gritaria. Ou algum barulho do tipo.

A banda chamava Distúrbio Sonoro (para os íntimos, DS). Ele gritava trezentas palavras por segundo e eu achava aquilo lindo! Tão lindo que, após um dos shows, lá estava eu na papelaria, comprando um caderno com a mesma sigla da banda. Na verdade, o caderno não tinha nada do Distúrbio Sonoro... Mas pra mim, qualquer coincidência era bem vinda.

Eu ia a lugares diferentes, falava com desconhecidos e até desmarcava alguns compromissos por causa do garoto. Um dia, fui parar no show do Ultraje a Rigor e o avistei de longe conversando com uma menina.

Ela era estranha: usava uma bermuda jeans toda rasgada, camisa do kiss abaixo do joelho, alfinete no lugar do brinco e ainda tinha um cabelo manchado de tinta vermelha. Minha melhor amiga, Ana Carolina, estava comigo e duvidou que os dois se beijariam. Não deu em outra! Ficaram grudados a noite inteira.

Dormi aos prantos e acordei revoltada. Cortei o cabelo e todas minhas calças jeans. Comprei blusas maiores que eu e CD's capazes de destruir qualquer biblioteca musical. Nem com tanta mudança, ele me olhou.

O tempo passou.

Eu não tinha mais nenhuma roupa rasgada. Usava vestidos, ouvia MPB, mantinha o cabelo longo.

Ele não usava mais a toca roxa e nem beijava a menina dos alfinetes na orelha.

Nós ficamos amigos.

Depois ficamos um pouco mais que amigos.

Depois namoramos.

E hoje moramos na mesma casa.

(Dalila Lemos)

DEIVID E OUTRAS OBSERVAÇÕES FEMININAS


Na quinta-feira passada, o Flamengo jogou às sete e meia. Saí do trabalho às seis, peguei um ônibus lotado e subi um morro com certos quilômetros de altura. O jogo não foi transmitido em TV aberta devido à exclusividade de um canal por assinatura, então, o que restou foi a opção de assiti-lo no boteco.

Houve problema: o lugar não teve metros quadrados suficientes para acolher a torcida rubro negra. Vi cerca de quarenta homens disputando espaço com algumas mesas e cadeiras. Percebi também que o jovem garçom quase teve uma síncope por causa de tamanho movimento.

Para assistir à jogada, alguém conectou a internet no notebook e projetou as imagens no telão. Hora ou outra, a transmissão travou e deixou a galera aos gritos de interjeições: "ah", "hi", "poxa"... E por fim, uma nova adaptação: "porra".

Achei legal estimar que, a cada mil palavrões que os homens já falaram na vida, novecentos e noventa e nove foram durante partidas de futebol. Curiosa também a suposição de que os xingamentos não variaram de uma pessoa a outra: foram idênticos de acordo com os lances.

Xingar enquanto dois times disputam a maior quantidade de gols tornou-se comum até perto das crianças pequenas. Alguns pais já liberaram para os filhos a exceção dos palavrões: durante o jogo, pode. Também infrigiram a lei do silêncio com berros esportivos após às dez da noite.

Teve gente que ficou bêbada no boteco, mas não abandonou a causa. Um homem que passou todo o tempo encostado no balcão bebendo cerveja, resumiu sua paixão pelo flamengo em apenas um brado: Deeeeiiiiviiiiddd . O dono do notebook berrou gooolll; o sujeito, Deeeeiiiiviiiiddd. O cara da primeira mesa falou sobre o juíz; o sujeito falou Deeeeiiiiviiiiddd . O povo disse juíz, joel, zagueiro, atacante, bola, tempo, substituição. O sujeito, Deeeeiiiiviiiiddd .

Naquele dia eu conheci o Emelec. Por segundos pensei que o Equador não tivesse nada muito além de narcóticos e rondador, mas errei: lá existem onze jogadores para competir com o Mengão e perder de um a zero.

O gol foi do Vágner Love... mas minha mente ficou ao infinito som de Deeeeiiiiviiiiddd .

(Dalila Lemos)

DIGA SIM AO NÃO

<>http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/7_283323.asp

Existem duas certezas na vida: a morte e o não. Nós vivemos com a convicção de que um dia morreremos e convivemos com a existência do não durante nossa trajetória. E mesmo com ambas as evidências, ainda há quem sinta medo.

Costumo dizer que o medo é um grande destruidor de sonhos. Quando o sentimos, deixamos de fazer. Quando o tocamos, deixamos de estar. Quando o aceitamos, deixamos de ser.

Muitos recusam voar alto por sentir receio do tombo. Para não errar, nem tentam. Para não perder, nem lutam. Para não morrer, não vivem. Esses são os atalhos utilizados na tentativa de fugir do não.

O que me entristece é saber que fazem da certeza uma dúvida. “E se eu não conseguir? E se eu sofrer? E se eu não ganhar?”. É simples: o não já existe. A consequência das tentativas é o sim. Se tentarmos e for inatingível, não faz diferença: estaremos na mesma estaca. Mas se durante a tentativa nós conquistarmos o sim, daremos passos largos para uma etapa melhor.

Conselho bom custa caro, contudo, não pretendo precificar minha recomendação. Sugiro que não tenham medo da vida nem alimentem o medo do próprio medo. Amem hoje, tentem agora e não esperem o fim do jogo para fazer apostas. Não destruam os sonhos: Mudem. Arrisquem. Abram a boca. Digam sim para o não, pois aceitá-lo significa se abrir para o mundo e as coisas boas só chegam até nós quando reservamos um espaço para elas.
(Dalila Lemos)

sexta-feira, 13 de abril de 2012

SIMPLESMENTE TRISTE

O mundo é realmente complicado. Há quem critique minha angústia como se eu tivesse a santa obrigação de viver feliz. Será que devo me entregar a essa hipocrisia? Imagina!

A tristeza só é ruim quando deixa de ser um estado e passa a ser uma condição. Fora isso, é natural... Afinal, nossos dias são recheados de sinônimos e antônimos, prós e contras, altos e baixos, positivos e negativos e, principalmente, de felicidade e tristeza.

A maneira como cada um lida com os sentimentos é questão pessoal. Conheço muita gente triste que se esconde nos personagens de teatro. Algumas se trancam, outras fogem... Tem gente até que descarrega a melancolia nos copos de cerveja, nos maços de cigarro, nas compras fúteis ou na gordura de fast foods. Conheço também pessoas capazes de jurar que são sempre felizes.

Maquiar a cara com um sorriso e nunca lavar o rosto é farsa. Todo mundo um dia fica triste! Do pobre ao rico, do magro ao gordo, do fracassado ao bem sucedido. Tristeza é tristeza: não depende de cor, credo ou classe social. Príncipes se entristecem, bruxas também.

Sou eu quem pode dizer “fala sério”. E falo. Porque não estar feliz é tão normal quanto não estar inspirado. Não estar feliz é tão comum quanto não estar satisfeito. Não estar feliz é tão verdadeiro quanto não estar disposto.

A tristeza é distinta da felicidade (óbvio)! Contudo, as duas se assemelham a outros opostos (que também se completam).

Às vezes, basta o silêncio pra falar mais alto. Basta a luz para que a sombra apareça. Basta o medo para que se crie coragem. E basta tristeza para que se encontre felicidade.

Enquanto estamos tristes, somos apenas alguém demonstrando um sentimento. Triste mesmo é não sentir!
 
(Dalila Lemos) 

SOLOS ANALGÉSICOS

 Naquele quarto escuro, os solos de guitarra se transformavam em analgésicos. Ela precisava amenizar a dor. E aumentava o volume. Depois espalhava as cobertas. Deitava. E adormecia.

Os sonhos estavam sem cor. No máximo um rabisco negro se compunha em forma. A mente também estava escura: o telefone não tocava, a voz não chamava, o dia não chegava nunca.

Pela janela afora, via-se a paisagem em silêncio. Chovia gotas de solidão. Ventava desejos perdidos no tempo.

Os ponteiros corriam contra o relógio.

Janeiro não fazia calor.

Carnaval não tinha fantasia.

Seresta não tinha violão.

Saudade não tinha nome.

Acordava em busca de si, enquanto os solos de guitarra se repetiam. Ela precisava amenizar a dor. E diminuía o volume. Depois juntava as cobertas. Sentava. E acordava.

A vida estava sem cor. No máximo uma linha nude traçava o destino. O pensamento também estava monótono: a ansiedade não acabava, a indiferença não a deixava, o dia não chegava nunca.

Os ponteiros paravam dentro do relógio.

Janeiro não tinha trinta e um dias.

Vontade não tinha sinônimo.

Ela não tinha nome.

(Dalila Lemos)

sábado, 28 de janeiro de 2012

JIBOIAR É O QUE ME RESTA

Gosto de aprender coisas. É certo que, até hoje, não aprendi a segurar minha língua durante situações inoportunas. Também não aprendi nenhuma técnica que me torne menos transparente. Mas tudo bem: de falsidade eu não morro! Agora vamos ao que interessa.

Ontem me ensinaram um verbo cujo qual nunca fez parte da minha vida: jiboiar. Achei estranho quando, imediatamente, pensei em uma cobra. E que curioso! Não me enganei! A palavra foi inventada para comparar o processo alimentar de uma jiboia ao momento de autorreflexão.

A jiboia é uma serpente comprida, com a boca muito dilatável, que se alimenta de pequenos mamíferos. Ela não mastiga as presas, apenas as sufoca até a morte e as engole. Obviamente, digerir um animal inteiro é uma tarefa difícil que pode levar dias ou até semanas. Isso explica o termo que minha amiga inventou.

Algumas vezes, a vida nos traz presas em forma de notícias. Para sobreviver, somos obrigados a engolir os fatos de uma só vez, sem mastigá-los. Em um primeiro momento, as notícias passam por nossa garganta de modo desagradável e nos deixa entalados. Aos poucos, os acontecimentos desintegram em nosso organismo até que o processo digestivo termine.

Jiboiar é isso: digerir lentamente uma dor, engolir de uma só vez o sofrimento até que ele se decomponha dentro de nós.

Somos parecidos com as serpentes. A diferença é que o alimento que nos faz sobreviver, também nos faz chorar. Sentimos muito por engolir o amor errado, a perda, o dia ruim, o estresse do trabalho.

Agora, por exemplo, eu sinto por digerir duzentos batimentos cardíacos por minuto. E se alguém perguntar o que está acontecendo, é uma boa hora para responder: “estou apenas jiboiando”.

(Dalila Lemos)

SOBRE UM OLHAR


Não se faz mais canções como antigamente! Posso dizer isso ao ouvir "O bêbado e a equilibrista" - uma composição de João Bosco. Perfeição é a palavra que descreve a interpretação de Elis Regina e genial é o adjetivo que escolho para a letra da música. Vejam só:

Caía a tarde feito um viaduto

E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos

A lua tal qual a dona do bordel

Pedia a cada estrela fria um brilho de a...lu...guel

E nuvens lá no mata-borrão do céu

Chupavam manchas torturadas, que sufoco louco

O bêbado com chapéu coco fazia irreverências mil

Prá noite do Bra...sil, meu Brasil

Que sonha com a volta do irmão do Henfil

Com tanta gente que partiu num rabo de foguete

Chora a nossa pátria mãe gentil

Choram marias e clarisses no solo do Brasil

Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente

A espe...rança dança na corda bamba de sombrinha

E em cada passo dessa linha pode se ma...chu...car

Azar, a esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

tem que continuar


O bêbado representa os artistas que resistiam ao Governo e lutavam pela liberdade. A equilibrista ilustra a esperança de democracia contida num projeto de abertura política gradual.

Na década de 70, um viaduto de Belo Horizonte desabou sobre carros e ônibus. Várias pessoas morreram e nada foi noticiado. A primeira frase da música esclarece tal acontecimento.

O luto está associado ao desaparecimento de militantes de esquerda, assassinados sob tortura. Carlitos é o personagem mais famoso de Charlies Chaplin: um andarilho, sem dinheiro no bolso, que veste um paletó apertado, usa chapéu-coco e bengala.

Mata-borrão é um objeto utilizado para absorver o excesso de tinta do texto escrito com pena ou caneta tinteiro. No contexto, significa um meio de neutralizar as manchas da tortura.

Henfil foi um cartunista, escritor e jornalista brasileiro considerado um despótico inimigo da ditadura e do falso moralismo brasileiro. O irmão dele, Betinho, foi um sociólogo à frente da AP (Ação Popular) que partiu para o exílio em 1971.

Rabo de foguete é uma expressão usada para representar situações de perigo. Ou seja: aqueles que se manifestavam contra as formas de coação, colocavam as vidas em risco e eram obrigados a se exilar.

A mãe do Henfil chamava-se Maria. Clarice era a esposa do Vladimir Herzog - jornalista assassinado durante o regime militar. Marias e Clarices, no plural, representam as mães, irmãs e mulheres que trocaram as vidas pelo ideal da liberdade e da expressão.

A esperança é a expectativa de ver o Brasil livre e a corda bamba de sombrinha é o obstáculo político. A cada passo dessa linha, desse desejo, o sonhador pode se ferir. Azar: que se machuquem! Pois o show de todo artista tem que continuar!

Lindo, não?!? Música pode ser apenas música, mas um olhar é sempre mais que isso. Aliás, o olhar é sempre mais que tudo: é o que faz a diferença, o que muda, move e fica.

(Dalila Lemos)

NOVOS DIAS PRA RECOMEÇAR

Há vinte e três anos é o que vejo: um novo ano se aproxima e tudo fica cheio. O cérebro enche de planos, a agenda lota de compromissos, as orações transbordam promessas e os pensamentos acumulam novidades. Até a academia enche!

É estranho pra mim. Não quero ser um sujeito importuno, mas prefiro analisar o que acontece ao meu redor a me trancar num quarto, cruzar os dedos e sussurrar: "ano novo, vida nova!".

Acredito no novo, pois acredito no mundo. E o mundo se transforma a todo momento! É por isso que eu não considero adequadas as mudanças planejadas só para um determinada época, mas no geral é assim.

O dia trinta e um de dezembro é dominado pela fala. Alguns dizem que vão cuidar mais do espírito, outros dizem que vão dar mais atenção ao corpo. Alguns afirmam que vão comprar mais, outros contam que vão gastar menos. Em segredo, há quem diga que vai conquistar um novo amor. Aos berros, há quem jure reconquistar um amor antigo. Assim, entre juras, confidências e afirmações, o dia se enche de palavras.

O que parece certo, torna-se questionável: afinal, até quando essas palavras são levadas a sério? Um mês. Dois. Quem sabe três! Depois disso, já não custa esperar o réveillon.

Para mim, não importa a época! É melhor que não exista data para pensar, planejar, agir, concluir. É melhor que não exista, pois o tempo não deixa de ser tempo só porque mudou o ano.

É por isso que eu ainda espero que as pessoas apostem mais em si mesmas. Espero que todos se surpreendam com os acontecimentos e façam acontecer porque tem de ser feito, não apenas pela mudança de uma nova era.

(Dalila Lemos)