Integridade não tem preço? Mentira! Ela custa R$ 18,60 somada a R$ 11,75 do frete, nos sites de compra coletiva. Cheguei a essa conclusão de manhã bem cedo, quando abri a sacola em que um pote de morango estava guardado. O líquido vermelho da fruta silvestre vazou e manchou todas as páginas do livro que minha professora de português me emprestou.
Nunca foi tão desvantajoso manter uma alimentação saudável. Passei fome e ainda estraguei uma editoria sobre o inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Sem contar o martírio que carreguei em pensamento por ter cogitado a possibilidade de entregar cento e noventa páginas sujas, com a cara mais limpa do mundo.
Definitivamente não me pareceu justo agir de tal forma e por esse motivo eu decidi a respeito. Liguei para a minha mãe, afinal, são às mães que maioria de nós recorre em momentos de aflição. Quando ela atendeu a ligação, fiz voz de decepcionada.
- Tenho uma notícia para te dar.
- O que foi, minha filha? Notícia boa ou ruim?
- Boa e ruim, simultaneamente.
- Como assim, querida?”
- Infelizmente preciso usar o cartão de crédito que te entreguei como prova da minha vontade de fugir das dívidas.
- Mas o que aconteceu?
- A Bia Pacheco, professora da faculdade, me emprestou dois livros que eu sempre protejo com alguma capinha ou saco plástico. Mas justamente hoje, que os livros corriam perigo, meu pote de morango vazou. Um dos livros ficou todo manchado. Não posso devolvê-lo nessas condições.
- Minha filha, você precisa se benzer.
- Mas, mãe, pense pelo lado positivo: pelo menos o outro livro está intacto. Além do mais, eu estou adorando ler sobre MPB. Esse assunto me interessa muito e vai ser legal ficar com o livro manchado.
- Quanto vai custar a brincadeira?
- Dezoito reais mais o frete.
- Anote aí os dados do cartão. E não desista da ideia de se benzer.
Acessei a internet e efetuei a compra do livro. Quando recebi um e-mail dizendo que o pagamento foi confirmado, minha consciência se aliviou.
Um pouco mais tarde, comentei sobre o ocorrido com um amigo (que também é professor). Depois de inúmeras gargalhadas, ele disse que já viu um caso parecido com esse: uma gata que estava no cio, subiu na mesa, se esfregou em um livro e sujou várias páginas com sangue.
Fiquei intrigada com aquela história. Antigamente, eu pensava que os gatos eram animais pansexuais. Mas me enganei: os felinos são cultos!
(Dalila Lemos)