
Confesso que, ao observar um menino com seus cinco ou seis anos de idade, fixando o olhar nas minhas madeixas vermelhas, o som alto sequer atrapalhou minha audição. Pude ouvir a mãe da criança falar em um tom ameaçador: “-Viu só? Se você ficar chorando, ela vai te pegar!”.
Em que tipo de “Bruxa do setenta e um” eu havia me transformado? Logo eu, que no mesmo dia alimentei dois cachorros de rua, ajudei alguns internautas que não conheciam a barra de rolagem e ainda transportei minhas sacolinhas ecológicas ao supermercado! Entre duas opções, restava uma dúvida: ou aquela frase saía da boca de alguém que não fazia a menor idéia de seu significado, ou então, Deus castigava meninas ruivas que fingiam dormir no ônibus para não ceder seus lugares a outros passageiros. (Dúvida cruel!).
Adormeci, passados cinqüenta minutos. No dia seguinte, bastou entrar em um restaurante para descobrir meu novo apelido. Pensava que tudo se limitava a uma insanidade qualquer, aliás, era realmente uma loucura... mas acontecia realmente e, eu não podia fugir daquilo! Um menino me olhava, enquanto o pai me convencia: “- Você não é um E.T? Diz pra ele, diz! Diz que você é um E.T!”. Assustada, pensei em escapar dali, mas quando dei por mim já falava ao menino “- Seu pai tem razão. Sou um E.T!”.
Céus! Que extraterrestre trabalhava quatro horas além de sua carga horária, ajudava um cego a entrar na condução e ainda dava vestimenta ao mendigo? A resposta era: eu! E cansava, esgotava-me ao perceber que vivia em um mundo onde o original era igual e onde a personalidade assustava, modificava os conceitos.
Enquanto me acomodava no banco da praça para ler um romance, pensava no episódio da semana anterior. Estava num salão de beleza, no momento em que uma desconhecida disse: “- Nossa! Isso é tinta de cabelo mesmo? Você é corajosa, hein!”. Minha vontade foi responder que a tinta não era de cabelo, e sim de uma impressora que eu havia consertado. Em relação à coragem, contive-me para criticar o mau uso da palavra e dizer que bastaria uma peruca ruiva no Scooby Doo para que ele se tornasse visivelmente corajoso. Acabada a lembrança, concentrei-me no livro.
A leitura foi interrompida por um senhor, que aparentava ter uns oitenta anos. Ele sentou-se ao meu lado e fez algumas perguntas irrelevantes. Pacientemente, respondi uma a uma. Meu ônibus chegou e, no momento da despedida, ele disse: “- Gostei muito da cor que você pintou o cabelo”. Ao sorrir, todo o meu desconforto foi-se embora e deu lugar a uma certeza: Nada melhor que um velho para combater o preconceito com o novo!”.
(Dalila Lemos)
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