quinta-feira, 17 de março de 2011

POR TRÁS DA PAISAGEM


A janela entreaberta, o vento balançando a cortina. A poltrona deitada, o livro no capítulo seis e alguém no asfalto. Parecia despreocupada, sorrindo e empurrando sua bicicleta velha. Vestia uma camiseta azul que não acentuava seus seios e um colete transparente.

Era Lúcia, Maria, Joana, Cristina. Era quem quer que fosse! Podia ser... e era! Sônia talvez. Quem sabe Ana. Ou Ana Carolina. Era mulher aquela moça simples. Era simples aquela moça mulher.

Eu, perdida entre toda simplicidade, assumia-me complicada, ridícula, submissa às hostilidades do mundo. Convencia-me de que um longo dia sem trabalho (suficientemente) esgotava-me de tédio e alguns minutos de desejo (indelicadamente) matavam-me de tensão.

Morria? Todos os dias até àquele. Como se não bastasse a mim o sorriso de uma moça como aquela ou como se não fosse suficiente fazer escolhas pessoais, tocar o limite do meu mundo, espalhar minha personalidade.

O ônibus sacudia e, aos poucos, a paisagem escondia a moça. Eu perdia de vista sua calma, depois sua roupa e sua expressão. Era Bárbara? Eu não sabia! Perdia também a idéia do seu nome.

Diante daquele cenário despido de alcunha, de nuança e semblante, chegava ao fim meu carnaval. Sem fantasia. Nua. Sem pensamento. Nu. Sem nada além de seis dias e seis capítulos mortos.

Quisera ouvir o som que a parede calou ou sentir a chuva que a cortina escondeu. Quisera rir com os sorrisos e por um instante ser aquela moça que a paisagem levou embora. Embora fosse eu apenas eu mesma, embora tudo um dia fosse embora.

(Dalila Lemos)

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