sexta-feira, 16 de setembro de 2011

NOITES DE OUTONO

Quando amanhecia, o sol iluminava as projeções mais audaciosas de Niemeyer e meus olhos contestavam a paisagem matutina do Planalto Central. Mas bastava anoitecer e o céu de Brasília enfeitava meu desencanto. Eu passava horas admirando as estrelas e toda infinidade que cobria meus pensamentos.

O lago Paranoá escondia sua artificialidade por baixo dos arcos da ponte JK. As luzes do Palácio Itamaraty refletiam em mim alguns versos contemporâneos e as curvas da Catedral moldavam a cidade. No escuro, eu era capaz de tudo: enfrentava o medo, esquecia a insegurança, exonerava a saudade.

Eu gostava de andar sem rumo pelas ruas. À noite elas ficavam tão parecidas que contradiziam coincidências! Algumas vezes, eu me perdia em um ou outro quarteirão, mas não demorava muito para encontrar algum restaurante que me fizesse ter a certeza de estar perto de casa. Sentava-me sempre ao fundo, em alguma mesa encostada na parede. Bebia alguns drinques, comia alguma coisa e ouvia um pouco de música.

Voltava pelas mesmas ruas, com os mesmo pensamentos, debaixo do mesmo céu. Subia dez andares de elevador, entrava pela porta da cozinha e tomava o terceiro banho. Já vestida, ligava o computador e fixava meu olhar nas mensagens instantâneas que tanto me ansiavam. O anoitecer me consumia ali: no sentimento mais forte, na vontade mais distante.

Hora ou outra eu caminhava até a cozinha e acendia um cigarro na janela. Parada, ouvia o silêncio da madrugada e observava as últimas luzes que se apagavam. Mas não demorava muito e lá estava eu: escrevendo e-mails, ouvindo música, ligando a webcam.

Quando menos percebia, o relógio já marcava cinco da manhã. A ocasião me fazia estender um colchão e algumas cobertas. Debaixo do travesseiro eu escondia desejos, guardava imagens e esquecia o mundo. Minhas paixões adormeciam junto com a certeza de que o amanhecer levaria tudo embora.

(Dalila Lemos)

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