segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

UM POUCO DE VERDADE

O cigarro queimando. Alguns carros na rua. Foi tudo que eu pude escutar!

De repente, o mundo ficou em silêncio. Não sei em que proporção: nos passos brandos, na porta do bar, no vento que sopra leve às noites quentes.

Meu mundo: Quieto. Excessivo de falta. Num silêncio sem igual.

Apoveitei-me muda. Sentei-me no meio fio. Abaixei a cabeça e comecei a ter sentimentos que, há muito, não me pertenciam.

Eu deixei invisíveis aquelas coisas sem nome que costumam fazer barulho. O medo, a raiva, as suposições, a utopia e o raio que os parta! Sufoquei-as dentro de mim, enquanto apoiava a cabeça em uma de minhas mãos. Depois fechei os olhos e silenciei o movimento do ponteiro dos relógios.

Talvez tivessem passado cinco minutos; e não nove meses, como meu raciocínio se fadava a acreditar. Mas eu tive lembranças... Lotadas de ranger de porta, fechando e abrindo. Trancando. Deixando ficar.

E, de fato, ficou: um pouco de vinho tinto no fundo da taça, um pouco de música, um pouco de asfalto visto pela janela.

... Ficou um tanto quanto de mim num tanto quanto de outrem (que ficou na gaveta).

... Ficou o sorriso capturado pela transparência do vidro, um pouco de luz acesa e a coberta com cheiro de madrugada.

... Algumas marcas na parede; outras, na alma.

... O suor que se esparrama pelo cabelo, a tinta que escorre no chuveiro e um pouco de verdade – que me fez ficar em paz.

AI DE TI, JOÃO BIDU!

Duas horas em uma sala de cinema, absorvendo cosmo-fragmentos e pensando qual o tipo de tonalizante a Saori usa nas madeixas. É claro que minha cabeça ficou uma loucura! Parece que fui influenciada pelos astros a buscar o item chave da minha desordem. 

Poderia ser a ausência de uma bússola na mochila... Ou talvez uma borra de café derramada no Mapa Mundi... Quem sabe até uma alteração inoportuna na Fórmula Fundamental da Teoria dos Erros...

Mas não. Quisera eu colocar a culpa na maldita cigana que insistiu na ideia estúpida de me falar coisas estúpidas que estavam estupidamente subentendidas na minha mão direita. Que dó! Não era ela a responsável! Nem pela calosidade que envolvia meu dedo médio e pressionava a necessidade de mandá-la tomar no cu, tampouco pelas comutações da ciência.

O réu era a União Astronômica Internacional que, em Agosto de 2006, fez o favor de criar a resolução 5A. Desde então, Plutão deixou de ser um planeta e o horóscopo perdeu sua dignidade na 8ª casa zodiacal.

Não bastasse eu ser fruto de uma reprodução carnavalesca. Tive que nascer justamente no dia em que o Exército invadiu a Companhia Siderúrgica Nacional e transformou Volta Redonda na cidade do caos. Não bastasse nem isso: nasci escorpiana... Regida por uma esfera do sistema solar que há 84 anos é motivo para encheção de saco.

Resumindo: o patinho feio gravitacional, com órbita elíptica e dimensões insignificantes, sempre exerceu influências sobre a minha pessoa. Influências não tão lúcidas, eu diria (como se houvesse necessidade de dizer). Mas, de certo modo, ele agia com segurança, pois conhecia sua identidade: era um planeta. 






O mísero Plutão entrou em crise desde que teve sua definição astronômica alterada. Situação constrangedora! Um “disse-me-disse-redisse-não-disse-mais” científico que ultrapassou os limites espaciais. 

Primeiro, planeta. Depois, planeta-anão. Aí veio resistência de classificação, pressão política, debate, abaixo assinado, protesto, identificação sob o número 134340, publicação de artigo em Harvard, confusão em sala de aula, matéria no G1, análise em blogs... Por sua vez, os humanos regidos pelo pobre coitado se desorientaram nas entrelinhas do horóscopo e entraram num processo recorrente de desequilíbrio e indagações existenciais.

Eu era a prova disso: uma cobaia dos traumas psicológicos provocados neste sujeito indefinido. Ora me mantinha lúcida, ora coava o molho de tomate para eliminar qualquer vestígio de cebola (entenda, eu amo cebola!). Se em determinada ocasião eu analisava Stanley Kubrick, em outros momentos eu traçava correlações entre o cavaleiro de Fênix e os terráqueos.

Ai de ti, João Bidu! Como explicar essa bagunça de poder de ação e expressão de comportamento que os astros exercem nos signos, mediante à situação delicada já exposta acima?

A essa altura do campeonato, Plutão deve estar em prantos, assistindo à órbita dos seus amiguinhos, tentando descobrir se esses cientistas desocupados não tinham nada mais útil para fazer da vida. 

Mas que desgraça! Podiam ter realizado uma conferência para discutir se o som que sai do nariz (vulgo boca) da Anitta é música ou não. Imagina só: “de acordo com os novos critérios da resolução, todo ruído propagado de modo ominoso, com ou sem características anasaladas  e independente do tempo de disseminação ou playback, passa a ser chamado de música-anã”. 

Seria lindo! Mas não... É obvio que eles não perderiam tempo com aquela fanha... Afinal, faz muito mais sentido pegar Plutão pra Cristo. E eu ainda me questiono: por que, meu Deus, por quê? 

Penso que, se um humano nasce com nanismo, não deixa de ser reconhecido como tal. Um humano anão continua incluído na espécie animal do gênero Homo. Ele não passa a ser um humanoide, humano-anão ou Pequeno-Polegar por causa dos seus centímetros a menos. Ainda digo mais: anão é tão normal que faz strip tease e se reproduz em despedidas de solteiro. 












Li em algum lugar que, assim como urano e netuno, Plutão representa uma significativa fonte de mudança e possui uma energia intensamente transformadora. Portanto, já passou da hora de dar um fim nessa palhaçada! Que esses cientistas ociosos lavem roupas ou capinem lotes... Mas deixem meu regente em paz! Acalmem os nervos do cosmo, antes que meu fim seja um cosplay vergonhoso Jéssica Rabitt.


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

PSEUDÔNIMO

1- Imagine que nada é real. (Porque, evidentemente, em uma escala considerável, não é). Então dê outro nome a tudo... (Para que você possa falar sobre tudo, afinal, liberdade de expressão costuma ser utopia também).

2- Escolha um pseudônimo para aquele programa de televisão – o qual você considera mais imbecil que a torradinha da Lala, dos Teletubbies.

3- Respire fundo.

4- Agora reflita: Mario Sergio Cortella estava certo ao afirmar que os humanos são os únicos animais que possuem a capacidade de se sentir idiota?

5- Então olhe para si. E busque a razão que te fez chorar e gargalhar, simultâneamente, após assistir ao programa estúpido. 

6- Por fim, confesse: Dalila, querida, você é indescritivelmente humana e idiota. Vá se tratar!

(Dalila Lemos)

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

DELÍRIOS DE TRAVESSEIRO

Daqueles detalhes - que não passam batidos nem em faz de conta - eu sei bem. Conheço milimetricamente o local em que me perco: no escuro, com a noite muda e uma música ressonando em minha cabeça. 

Há delírios noturnos que não se explicam. Eles existem e ponto. Ficam agarrados no travesseiro, fragmentando o cheiro depois que você vai embora dos meus sonhos.

Então eu começo a pensar no quão difícil é lidar com a realidade, com a sensação de que falta alguma coisa além dos móveis naquele quarto vazio.

Não encontro nada nos meus três relógios, a não ser algumas lembranças que giram conforme o movimento dos ponteiros.

Talvez seja ilusão de ótica. De olfato. De pensamento. Ilusão de que, em algum momento, não vou mais precisar racionalizar ilusões: vou simplesmente jogar as chaves fora para que a porta fique sempre aberta.
E se você entrar, vou ter no rosto um sorriso infantil. Vou rasgar os horóscopos. Vou apagar tudo que esteve contido em mim e nas entrelinhas do meu caderno.

E se você ficar, não vou mais brigar com os deuses. Nem alimentar o medo que se alimenta de mim ao final do dia.

(Dalila Lemos)

INTEIRO E NÃO PELA METADE

Se não me engano, foi em 2010 que um amigo me disse que “só vale a pena o que faz bem”. Certo. Digo que vale a pena interromper recorrentemente um texto e até esquecer algumas palavras se for por uma boa causa depois das 23:00h. Porque, às vezes, o celular alerta que você é importante para quem está do outro lado. Mas só às vezes... E só para algumas pessoas.

O silêncio é uma arma: chega com a madrugada, prestes a exterminar todas as expectativas boas que há por dentro. O único sobrevivente é o medo! E é justamente o medo de deixar a própria essência de lado que faz com que a balança mostre o que vale a pena.

Vale a pena a essência. E não o talvez! Porque o talvez é metade... Metade da dose, medida a conta-gotas! Viver um talvez é não viver por inteiro. É se contentar com o meio, sem jamais ter a chance de alcançar as extremidades.

Portanto, eu prefiro que derramem o completo sobre mim. Um sim completo, um não completo. Até mesmo o nunca! Gestos, atitudes, pensamentos e desejos: tudo em uma escala de 100%. 

Sem silêncio e sem talvez. Porque eu não sou feita de metades.

(Dalila Lemos)

terça-feira, 1 de julho de 2014

TRANSBORDA QUE ESVAZIA

Situações me enchem. Penso nisso ao me servir de café forte no início do dia. E às vezes transborda: o café e eu. Mas, de certa forma, acho interessante o modo que a vida encontra de me advertir! Parece um sacode, como se eu fosse passageira de um ônibus estraçalhado que segue em alta velocidade sobre paralelepípedos desgastados. 

Percebo (a cada quilômetro) o quão longe estou do tesouro pirata que esconde as respostas mais exatas para minhas perguntas impróprias. Pra ser sincera, questionar os próprios questionamentos só pode ser atitude de gente ociosa... Porém, acredite: não há tempo que me sobre e, ainda assim, faço isso. 

Preciso de formatação com urgência. Meu HD está cheio de indagações e verbos mal conjugados: Queria do verbo não quero mais. Mas por que isso? Porque sim! Fazia do verbo não faço mais. E por quê? Porque tem que ser desse jeito! 

(Esqueçam a parte do ócio. Devo ser é louca!). 

Só sei que entre tanta loucura, há loucuras mais loucas que eu. E elas me enlouquecem! O jeito é deixar derramar: os desejos, as limitações, o bom senso, o agora e o pra sempre. Se deixar transbordar, uma hora esvazia.

Dalila Lemos




DE RESENDE A VENEZA

Quando me disseram que a vida era difícil, não levei muito a sério. Talvez por eu ser o tipo de pessoa que não se importa muito com o que dizem. Ou por sentir água na boca ao avistar um ramo de rabanete perdido entre as sobras do sacolão e, depois, agradecer por cada pedaço mastigado. Sim! Gostar de rabanete é a contestação mais eficaz do infortúnio: coisa de gente feliz!

Vale lembrar que gente feliz não é quem acorda com um sorriso de Jim Carrey na cara, cantando algum top10 das rádios e dando bom dia ao sol. Isso não é felicidade, é falta de consulta psiquiátrica.

Eu acordo com um mau humor comparável ao do Coronel Frank Slade (personagem de Al Pacino, no filme ‘Perfume de Mulher’). Mas, ainda assim, me sinto disposta a comprar qualquer briga se alguém usar esse pretexto para questionar meu contentamento. 

Ora, pois. Tristeza para quê? Não é porque acordo cedo (contra a minha vontade) e me enfio num ônibus superlotado (contra a minha vontade) que vou reclamar do mundo a nível 0800. A coisa certa a se fazer é pensar nos pontos positivos, os quais eu poderia compartilhar agora se não os tivesse deixado na geladeira de casa.

O fato, desconsiderando qualquer líquido com teor alcoólico que já deve estar pronto para consumo no refrigerador, é que eu tenho uma mania boba de gostar do que é simples. Pois é... Com tanta orquídea no mundo, me pego admirando florzinhas do mato – como aquelas que nascem próximo aos brejos. E também gosto de fotos em tons de cinza, músicas gravadas em fitas cassetes, cheiro de grama irrigada e todas as outras bobeiras que ficam esquecidas neste mundo tecnológico de meu deus.

Sou fácil para o universo e sempre afirmo que ele é fácil para mim. Por isso desacreditei ininterruptamente nessa teoria de que a vida é difícil. Mas agora, diante dessa tempestade que transforma Resende em Veneza, começo a me encher de dúvidas na mesma proporção em que os vãos dos paralelepípedos se enchem de água.
Desfaço planos. Perco mais de uma hora em plena a véspera de feriado. Desboto minha ruivice artificial. E, claro, percebo que só não estou mais arruinada porque não tenho nenhuma camiseta do Legião Urbana. 

Se a vida é difícil ou não? Sei de nada (inocente)! Mas que São Pedro é um fanfarrão, aí sim, não tenho suspeitas.

Dalila Lemos

sexta-feira, 13 de junho de 2014

SOL DA COPA, RAIZ DO TEMPO

Depois da correria inenarrável de ontem e do frio que senti durante a madrugada (me julguem por ter dormido de edredom), acordei com o nascer do sol clareando o quarto. Pareceu o sol de 2010. Sol da Copa - que traduziu meus cabelos vermelhos e vibrantes para idiomas que só eu entendi.

A correria continuou: faxina na casa, roupa na máquina, passeio diurno com a cachorra, banho, maquiagem, café da manhã... Para minha sorte, tive a audácia de sair às ruas no dia anterior com as madeixas besuntadas de creme de hidratação (atitude petulante, de quem necessita organizar a logística do tempo). Com esses minutinhos que economizei, pude absorver os raios ultravioletas e algumas lembranças.

Fechei os olhos. Talvez não tenha passado mais de 30 segundos. Se fosse o caso de ter que me recordar (cronometradamente) do nome de algum ator ou trecho de música, com certeza o relógio venceria. Mas, na ocasião, o placar mostrou 10x0 para mim.

Textos. Fotos. Desenhos. Frases. Cervejas. Amigos. Cheiros. Quadros. Janela. Textura. Até o tom do casaco que vesti em um dos jogos! Tudo se misturou em minha mente e me deixou com um medo louco de ficar louca num prazo tão curto.

Sobrevivi ainda sã. E quando pensei nessa discussão toda de “vai ter Copa” ou “não vai ter Copa”, só me restou uma aposta: vai ter Copa com lembranças e, quiçá, com nostalgia. Porque, ao contrário da saudade, a nostalgia dói.

Em um dos livros que li do Mário Sérgio Cortella (por sinal, melhor presente do ano), ficou claro que saudade são raízes e nostalgia são âncoras. O autor explicou que o termo nostalgia surgiu da observação de um médico alemão, que viu alguns pacientes amputados queixando-se de dor nos membros que já não existiam.

Se é errado encontrar dor em tudo que deixou de existir, então me julguem de novo. Pois esse sol de Copa do Mundo - que hoje me devolveu a paz interior - é o mesmo que me doeu na alma. A âncora prende o barco e me faz perceber que não importa se as mesmas pessoas estão a bordo: elas vão mudar um dia, assim como eu mudei. Se a âncora desprender, o barco vai seguir por outra direção. E essa reflexão serve também para os objetos, os gostos, as escolhas, tintas de cabelo e partidas de futebol.

Talvez a culpa seja do tempo, o tempo matemático: que é amigo só de quem é amigo dele. Nesse aspecto sou afortunada, pois sei que toda a dor contida no que já passou é o que deixa meu presente indolor e agradável. Mas, já em relação ao tempo da estação atmosférica, tenho uma ressalva: acabo de observar que o sol foi embora e deu lugar à chuva. Não existem mais âncoras, agora são raízes.

(Dalila Lemos)

segunda-feira, 9 de junho de 2014

ESTRANHAMENTE ESQUISITA

Sou esquisita por gostar de esquisitices. Esquisita pela falta de coerência, coesão e concordância existentes no modo aleatório do MP3. Esquisita por detestar banho frio e amar cachoeira, por gostar de tomar sorvete no inverno, dormir sem travesseiro debaixo da cabeça e, SIM, por fechar os olhos quando ando contra o vento.

Esquisitamente estranha pela falta do óbvio. Pelas músicas que nunca tocam nos shows que assisto, pelos clipes que nunca encontro na web e, principalmente, por todos os meus produtos que saem de linha. 

Sou esquisita quando olho para a contramão na hora de atravessar a rua. Quando almoço de colher. Quando deito com cara de Marilyn Monroe e desperto com jeito de Lindsay Lohan. 

Tipicamente esquisita pelo grito que cala. Por, ocasionalmente, ficar automática e parar de me importar com o que não se importam. Esquisita em escala elevada por fazer de conta até perder as contas e depois contar sobre as contas que contei.

Os dias que passam, os que chegam e os que vão: considero-os tão esquisitos quanto eu! Mas não ligo pra isso... E saio na rua com um sorriso esquisito de quem se satisfaz com qualquer simplicidade que ficou escondida nas entrelinhas da vida. 

(Dalila Lemos)

AS FAMOSAS NOVIDADES

Há muito tempo eu tento entender o sentido de algumas perguntas. Existem de todos os tipos, indagadas nas mais diversas entonações, em contextos simples ou intimidantes. E entre todas elas, a que mais me assusta é a famosa: “QUAIS SÃO AS NOVIDADES?”.

A palavra novidade vem do latim novitas e significa aquilo que é novo. Portanto, falar sobre o novo é ter situações que aparecem pela primeira vez no cotidiano, cujas quais merecem algum tipo de comentário plausível. 

É importante lembrar que moro em Barra Mansa – uma cidade sempre sem emoções, sempre estagnada pela pausa na ferrovia, sempre lotada de pessoas que precisam de bússolas para caminhar nas ruas e de carros que seguem na tentativa em vão de chegar a algum lugar. Logo, não há nada de novo... Porque até o novo é sempre... E o sempre é um velho eterno marcado pelo apito ensurdecedor do trem.

Você deve pensar que é pretexto. Deve achar que estou inventando motivos para não confessar a mesmice que é minha vida. E digo mais: talvez você esteja certo. Contudo, em uma análise mais profunda e relativa ao assunto, eu me questiono: O que é ter novidades para contar? 

Eu poderia ser algum sortudo, com a boca cheia de dentes, exclamando sorrisos ao dizer que vou à Finlândia ou a Paris no próximo mês. Poderia ser mais uma daquelas pessoas que se fecham para imensidão do mundo e decidem fazer tributo ao Luan Santana, com serenatas de “... Eu, você, dois filhos e um cachorro”. Poderia ganhar na loteria, nos sorteios de mercados, nas rifas e nos bingos. Ou quem sabe até alcançar, merecidamente, um cargo de chefia em alguma corporação industrial com alto reconhecimento. 

Mas não. O meu novo é simples, esquisito e pequeno. E eu não sei a que ponto ele se enquadra no direito de ser compartilhado com o próximo – que casou, mudou e não te convidou - que viveu, cresceu e morreu com uma conta bancária invejável – que conheceu mais de vinte países e nunca (eu disse NUNCA) foi obrigado a colar uma tabela de capitais na mesa do trabalho.

De qualquer forma, a quem interessar possa, eis aqui as minhas novidades que sucederam o mês de Abril: estive no melhor evento rock de todos os tempos (julgue quem quiser, pois foi lindo). Bati o pé por gostar de ser ruiva e prezei pelo dia da invenção de uma tinta fixa. Lavei as madeixas com leite morno após uma peripécia que teve final trágico. Dei gargalhadas nas ruas, ao me lembrar de situações inevidentes. Salvei uma barata. Baixei músicas que nunca tinha ouvido. Resgatei amigos. Ganhei um livro, um vinho, um casaco, uma base, um jogo americano, alguns chocolates e um pão de mel. Fiz check-in mental na funerária. Fui embora de um evento antes do final. Senti medo. Senti frio, mas agasalhei o corpo e deixei os pés à mostra. 

Ah, antes que eu me esqueça: além de simples, esquisitas e pequenas, as minhas novidades são aleatórias! Mas isso não interessa. O que importa realmente é que, com elas, descobri em mim mais de mim do que em 25 anos. E acho que isso basta!

(Dalila Lemos)

terça-feira, 13 de maio de 2014

OUTRO LADO

Talvez o universo queira realmente ser notado. Mas o mundo anda tão esquisito (se é que algum dia já foi diferente).

É que as pessoas andam depressa demais. Vivem numa luta constante contra os ponteiros do relógio e são destinadas às responsabilidades mais absurdas, como as de ser o que não são ou fazer o que não querem.

Elas passam.

Passam sem demonstrar guerra ou paz. Passam deixando palavras passarem. Passam mais rápido que os sonhos e mais covardes que o medo.

Passam com beijos não dados. Com desejos reprimidos. Com saudades não aceitas. 

Passam com mágoas. Ressentimentos. Vinganças. E nenhum brilho nos olhos.

Esquecem que existe vida janela afora. Se trancam, se julgam, se matam por dentro. 

E o universo fica chamando a atenção. As estações trocam de características para serem notadas. Os sintomas invadem os hospitais como forma de alerta. O sangue estampa capas de jornais porque já não consegue correr só nas veias.

Então, o tal mundo esquisito fica do avesso. É apenas um modo de fazer com que vejam o outro lado!

Eu não posso intervir no avesso de ninguém. Mas se eu pudesse, indicaria mais banhos de chuva, mais vento na cara, mais sol e menos cortina. Sugestionaria playlists com as músicas preferidas ou, simplesmente, o barulho de passos lentos no asfalto. 

Mais bichos. Mais cochilos depois do almoço quando o trabalho da uma trégua. Mais amigos. Mais viagens. Menos conexão e mais contato físico.

Porque seria realmente legal se percebessem que não precisam ter nem perder muito. 

Não sejamos um efeito colateral do universo!

(Dalila Lemos)

quinta-feira, 8 de maio de 2014

AQUELE MEDO DE MUDAR

Tenho observado pessoas e situações estáticas – que não vão, não são e, de vez em quando, não existem. Equanimidade para uma linguística metida e mesmice para um significado perfeito.

E sabe o porquê disso? Mudar dá medo!  Sejam as mudanças necessárias, arriscadas, simples, complicadas ou radicais. Tudo que se transforma, torna-se novo... E o novo assusta.

Tem gente que espera mais de dez anos para mudar os móveis de lugar. Tem gente que não muda... O sofá, com o tempo, já deixa uma marca registrada no piso. O tapete desbota, a cômoda atrai cupins e o cenário se assemelha à disposição de elementos em um museu.

Tive uma amiga, inclusive, que além dos móveis, não mudava o cabelo. Morria de vontade de cortar, mas quando eliminava dois centímetros do comprimento já entrava em pânico. Um dia (acredito que por descrença existencial ou algo que o valha), tomou coragem e foi ao cabeleireiro: cortou, coloriu, alisou e ficou linda! A descrença existencial acabou ali.

O que quero dizer é que o medo do novo é normal. Mas nem tudo que é normal faz bem constantemente! Às vezes é essencial mudar a direção: escolher um caminho contrário, fugir da ordem habitual das coisas. Porque o lugar comum esgota, desgasta e impregna o mundo com suas velhas ideias.

Não vou tentar convencer ninguém de que é fácil. Afinal, mudanças são complexas. Algumas tiram o sono; outras desfazem laços no ciclo de amizade. Existem mudanças que, inclusive, nos aproxima do que mais tememos e nos afasta de sensações cujas quais jurávamos não conseguir viver sem. Tem mudança que enche de ansiedade e tem também a que esvazia de desejo. 

Mudança de carro, caminhão. Mudança de cidade, de país, de planeta. Mudança de corpo, de mente, de astral. Mudança de idioma e de enredo de filme. Mudança de gosto. De final de ano. De começo de semana. De meio do mês. Mudança de cardápio, visão, paladar. Mudança de sentido. Mudança que faz mudar de dentro pra fora e muda a vida de fora pra dentro. 

Seja qual for a sua, desde que seja! Desde que te livre da indiferença e te aproxime dos sonhos. Desde que te deixe mais próxima de si mesma e pinte um sorriso no seu rosto enquanto o sol esquenta a solidão matinal das praças.

(Dalila Lemos)

quarta-feira, 30 de abril de 2014

PÉ NA SEGUNDA

Na aula de hoje vamos entender por que segunda-feira é um dia péssimo. Sim, eu sou a professora!

Em primeiro lugar, acho válido substituir a palavra “péssimo” por “obtuso”, considerando que os terráqueos levam a vida muito a sério e têm uma mania antiga de interpretação depressiva. Portanto, já que não é concedido a ninguém o direito de ser negativo, o ideal é colocar um sorriso de comercial de pasta de dente no rosto antes de começar a descrição.

Sorriu? Então vamos prosseguir...

Acordar às seis, depois de um fim de semana repleto de malte e lúpulo, já não é a melhor coisa do mundo. Agora, imagine só: acordar às seis, nessas mesmas condições, e ainda descobrir que algum ser humano benquisto quebrou a chave na fechadura da porta do seu prédio (e sem avisar a nenhum morador). Um infortúnio! Apenas.

Aí você entra em transe, com o pezinho do Sonic em ação, no estilo ‘Pedro Pedreiro’ (do Chico): “esperando, esperando, esperando...”. E a solução surge nos últimos minutos do segundo tempo.
Beleza. 

Hora de falar sobre o trabalho (pois nem ele escapa)! É desse jeito: você senta em sua cadeira, liga o computador querido e descobre que a internet não está funcionando.  Sem internet não é possível adiantar pendências da empresa, tampouco pesquisar sobre suicídio no Google (porque, sim, algo me diz que vários famosos optaram por tirar a própria vida numa segunda-feira).

E então, fica tudo assim: sua cara de desânimo para as páginas não carregadas da web, aquela esperança que há um bom tempo já não é representada pela cor verde e a expectativa de, pelo menos, conseguir concluir um texto. Não adianta nem reclamar, pois é algo tão natural quanto à escuridão da noite... São características bem peculiares do segundo dia da semana. 

O que me anima é pensar que a comédia poderia ser mais trágica se eu, por exemplo, viajasse para Mato Grosso só para buscar duas bicicletas. Sinto um misto de dor na coluna e misericórdia ao imaginar isso. Coitado do meu vizinho! Espero que ele acorde bem na terça.

(Dalila Lemos)

segunda-feira, 31 de março de 2014

SAPATOS DE LAURA

Sapatos de Laura ao lado da cama. Porque ela pode voltar a qualquer hora. Para pisar, firme e insistente, sobre suas últimas gotas de qualquer coisa... Ou somente para desafiar a imensidão do som teatral no chão de madeira. E o que importa! Sapatos limpos, pensamentos sujos. Tão dotados de falta de juízo quanto crianças que insistem em brincar com fogo.

Por um momento poderia ser diferente. Mas os momentos são os mesmos: estão em todas as taças de vinho, e derramam desejo. Impregna de bordô aquele líquido que escorre sobre os conceitos. Invade de êxtase os pesares. E depois pesa. Ainda que sem ressentimento.

E depois pisa. Com os mesmos sapatos intactos que apressaram alguns passos. Com a mesma pressa em que se antecederam alguns diálogos. Pisa como quem marca um lugar no inferno quando já não há mais lugar pra si na alma. Pisa porque tem sapatos, que estarão sempre ao lado da cama, esperando que ela volte.

Mas às vezes, não vem. Quando vem, chega depressa. Mal tenho tempo de trocar os lençóis e mudar os móveis de lugar. Não posso, ao menos, preparar algo para beber. O relógio me abrevia e, quando menos espero, ela já está ao meu lado. Então, somos duas: uma para expulsar e outra para atrair demônios.

E os demônios berram nos meus ouvidos enquanto tento me convencer de que você deveria ter batido à porta, e eu, batido a porta. Mas, tarde agora, já não bastam os gritos: tudo termina em um segredo calado e abafado pelo som daqueles sapatos.

(Dalila Lemos)

quarta-feira, 19 de março de 2014

VADIA, POR FAVOR!

Poderia falar de mim, mas me nego a matar alguém de tédio.

Fiquemos com os xingamentos:

Piranha, vagabunda, puta... Se revezando num ritmo tão cansativo quanto ao tédio que eu poderia causar se falasse de mim. Portanto, voltemos às ofensas.

Estive pensando que eu poderia ser mais humilhada. Nota 10 para a entonação! Mas o quesito ‘criatividade’ passou longe da média. Se me chamasse de burra, aí sim, ia tocar a ferida.

Alguém que entende o quão degradante é ter sua inteligência minorada, certamente não é burra. E, se não é burra, não quer ser chamada disso nem no último milésimo do segundo tempo.

Agora, convenhamos: PIRANHA?

Estamos no século XXI! As pessoas (digo, grande parte delas) já entenderam que mulher tem um lugarzinho nesse mundo de meu deus. Mulher tem seu lado descrito por Vinícius de Moraes – qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora, qualquer coisa que sente saudade. Mas também tem seu lado Nelson Rodrigues, o qual causa uma luta constante por se fazer conviver com o pensamento mais sujo e a cara mais limpa. Uma hora não da certo... E é preciso partir para a sinceridade, como efeito de consideração.

Mas é engraçado. Lidam melhor com a mentira. Parece que a mentira é uma entrelinha indispensável nos textos de autoajuda. Algo do tipo: “se eu não souber o que se passa, vai doer menos. E, se doer menos, eu não vou precisar deixar eco com meus gritos e nem quebrar o que estiver na minha frente”.

Façamos assim: já que a inteligência foi salva pelo gongo, esqueçamos essa importunação de piranha, vagabunda e puta.


Da próxima vez, quero ser chamada de vadia. Vadia é cinematográfico, é poético, é eterno. VADIA É POSER!

segunda-feira, 17 de março de 2014

ARLETE

Me lembro de frases feitas sobre liberdade. Algo do tipo: “Deixo livre as coisas que amo. Se voltarem é porque as conquistei. Se não voltarem é porque nunca as tive”. E, de fato, essas lembranças me incomodam, pois sinto que existe uma distinção tremenda entre amor e liberdade.

O amor está na essência. A liberdade, na necessidade. 

Amor cega. Enlouquece.  Tumultua. Machuca. Causa medo, pânico, aperto no peito, dor no estômago. Tira a fome, o sono, a concentração. Tira você de si e, de si, tudo que poderia estar em você. Causa náusea, mata de ansiedade, acende e apaga, leva e traz os detalhes mais simples e complicados do mundo. Enche de ideias, enfeita de fantasias, transborda de desejo, aporrinha de loucura, esgota de dúvida e desaparece na imensidão do som daquela sua canção preferida a mil decibéis. 

Liberdade não. É simples! Está em cada um e ninguém fica buscando um sentido ou um significado para ela. Ser livre já fala por si.  E todos nós somos! A diferença está na maneira como lidamos com isso.

Há quem opte por apenas um lugar: uma sala, um quarto, um ombro ou até uma gaiola. Há quem prefira viajar, buscar novos horizontes, conhecer novos caminhos e respirar novos ares. O grande lance é que, independente da escolha por uma liberdade sem espaço ou sem limites, o amor existe.

Pessoas livres amam. Pássaros livres também. E, se fogem e não voltam, isso não tem nada a ver com amor. Significa apenas que as paredes de concreto foram quebradas. 

O amor continua ali.

(Dalila Lemos)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

HASHTAG CANSADA

Atingi o pior patamar para quem busca algum tipo de evolução espiritual: o cansaço. Não digo cansaço físico, daqueles de acordar às cinco todos os dias, subir o morro com sacolas de mercado, lavar o banheiro e preparar o jantar. Me refiro ao cansaço psicológico: aquele pânico diário de perder a condução que me leva ao trabalho ou o martírio de ainda tentar acreditar na humanidade.

As coisas andam difíceis. Já não publico um texto no site há meses. Estou travada, limitada e completamente presa em coisas que têm me incomodado. E a pior parte é saber que o recurso da mudança é uma submissão (negativa como qualquer outra). Tenho que aceitar arrogância, mentiras, danos morais, promessas não cumpridas, além de conviver com a ideia de que o dinheiro move e destrói o mundo.

Sabe, não é reclamar de boca cheia. Tenho uma vida bacana: trabalho na minha área, divido minha rotina (e roupas, toalhas, papéis...) com a pessoa  que amo. Faço planos. Guardo segredos. Realizo sonhos. Mas não é só isso que está incluído no universo.

Não é só isso. Têm também as empresas de telefonia móvel que prestam um serviço de péssima qualidade enquanto você paga a conta mensal com responsabilidade. Tem o gerente do banco que finge se importar com suas necessidades, mas, na realidade, envia um cartão de débito diferente do que você solicitou. Tem aquele médico que te deixa criando raízes na sala de espera para dizer, depois de uma infinidade, que não vai poder te atender. Tem a funcionária da loja de calçados que não te da atenção e ainda faz questão de emitir nota com outro nome.  E ainda tem o cigarro na cachoeira, o churrasco na praia, o papel de picolé na calçada, o escarro na faixa de pedestre, o descaso das autoridades, a ineficiência do governo e milhões (EU DIGO MILHÕES) de fatores a mais.

Eu poderia dizer que está tudo bem... Mas não está! Não quero varrer a sujeira para debaixo do tapete. O que eu quero é mais cumplicidade, educação, senso, gentileza, respeito e só mais um pouquinho de responsabilidade. Eu quero ter motivos para ainda acreditar em qualquer coisa porque, se você me disser que vem em Março de 2014, esperarei até Março de 2030.

(Dalila Lemos)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O CORPO MAIS PERFEITO DO MUNDO

Nunca tive uma postura contra a estética. Pelo contrário: eu me cuido, eu treino, eu como clara de ovo no café da manhã, eu vou à nutricionista e à esteticista... Enfim. Eu dou uma moral pra "carcaça", porque gosto de me sentir bem.

Mas não faço da BARRIGA INVERTIDA um sonho. Não fico sem dormir porque meu tríceps não é DEFINIDO ou meu abdômen não tem GOMOS. E hoje em dia, as coisas andam tão estereotipadas que até perdem a graça. 

Sabe essa foto (que ilustra o texto)? Encontrei no Google, depois da tentativa de busca com as palavras “corpo + normal”. Não foi uma surpresa que ela estivesse misturada a imagens altamente produzidas de personalidades como Gisele Bündchen, Cláudia Leitte e Débora Secco. 

Entre as sugestões para novas buscas, lá estava: CORPO MAIS PERFEITO DO MUNDO!  Cliquei. Ossos destacados, fio dental na bunda de silicone, decote no peito de silicone, close na boca de botox e, para os homens, ombros e poses de Johnny Bravo. Conclusão: você escolhe se quer ter o corpo MAGRO mais perfeito do mundo ou o corpo SARADO mais perfeito do mundo... Mas o SEU corpo (aquele em que você nasceu) nunca vai ser o mais perfeito do mundo porque você não se permite ser algo a mais que um produto de prateleira.

A busca por padrões leva muita gente à paranoia e aos péssimos diagnósticos de saúde física e mental. E, nesse momento, há um engano se alguém me julga por não ter vivido uma experiência do tipo. Sim! Entre os meus dezesseis e dezessete anos de idade eu me entupi de medicamentos com ações anorexígenas, sobrevivi sem algumas refeições e me vi diante de uma vigorexia que me fazia caminhar duas horas por dia e ir à academia logo em seguida. Hoje eu prefiro escutar música, ler um livro, tomar um chopp e até capinar um lote. 

Hoje eu prefiro perder 30 minutos do meu dia apenas pra dizer o quanto eu gostaria que SHAPE significasse tábua de skate e que as pessoas se libertassem, pra ser o que realmente são.

(Dalila Lemos)