quarta-feira, 25 de abril de 2012

TRÊS E MEIA

Já é madrugada. Não adianta pensar na ética ou na psicologia logo agora... Não agora! Porque, enquanto os ponteiros correm contra a razão, os princípios se misturam.
Três e meia da manhã não é um horário que depende da minha vontade para se tornar sugestivo ao sono... Tanto que não consigo dormir! Algumas vezes, não depende de mim. Outras, não depende de você. As escolhas nos escolhem, sabia?
 Nos permitimos errar quando o desejo fala mais alto. Depois, desejamos de novo (com mais intensidade). E de novo (com mais pureza). E novamente (com mais vontade de nos ajustarmos aos erros).
Eu só queria dizer que não existe culpa... Mesmo quando nossos pensamentos multiplicam-se e embaralham-se, mesmo quando o medo tenta falar mais alto ou quando os dias se repetem.
Agora, que ainda é madrugada, minha insônia me cala com perguntas. Então eu penso que algumas coisas acontecem simplesmente por acontecer. Depois volto a dormir... desejando tudo de novo.
Não é minha intenção que a bomba exploda, que as cartas virem, que o julgamento venha à tona por nosso mundo não ser o mesmo. Mas não precisamos olhar pela janela com óculos escuros, porque viver já é um risco! E riscos são sempre riscos: não se distinguem por situações.

(Dalila Lemos)


ANÁLISE DA VIDA PRÓPRIA

http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/7_284651.asp

Adoro quando o computador trava e o celular reinicia. É sinal de que devo respeitar a individualidade dos objetos, pois eles têm vida própria e não são movidos aos meus milhares de afazeres diários. Uma afronta!

- Você acredita que aquela maluca hoje consultou os registros de ligações, ouviu música, acionou o despertador, criou um novo lembrete e enviou mais de trinta mensagens simultaneamente?

- Acredito, meu caro. A insana não respeita nem minha digestão... Ela tem mania de me ligar na hora do almoço! Mal começo a funcionar e a apressada já abre um programinha de mensagens instantâneas. Não satisfeita em conversar com três amigos ao mesmo tempo, resolve pesquisar no site de busca, digitar um documento, conferir os portais de notícias e ainda acessar três e-mails diferentes.

- Nossa! É muito pra mim. Tem hora que não aguento, cara! A lentidão faz parte da minha genética... Quando vibro junto com aquele barulhinho de mensagem, já sei no que vai dar: reinicio na hora!

- Eu fico é nervoso com tudo... Faço de propósito mesmo! Quando percebo que ela está no auge de uma conversa ou de uma pesquisa, travo na hora. Já fiz essas maldades durante transferência de dados e até no fim de downloads.

- Eu devia deixar de ser bobo e agir igual a você. Pouco importa! O celular anterior ficou pra trás porque não estava dando conta do recado. Se bobear, minha hora já está chegando sem aviso prévio.

- Alguma vez você já desabafou assim com alguém?

- Não. E você?

- Sempre ocupado... Nunca tive a oportunidade.

- É. Eu entendo!

- Será que a doidinha já nos imaginou conversando sobre tudo isso?

- Duvido! Ela tem muito mais o que fazer. Não está vendo?

- Só um minutinho, por favor. Vou me reiniciar.

- Eu te espero. Vou dar uma travadinha aqui.

(Dalila Lemos)

MEU QUERER EM SILÊNCIO

http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/7_284320.asp

Às vezes eu queria ter a oportunidade de decidir.

Queria que as decisões tivessem o peso e o preço que eu desse a elas, para que só custassem caro quando eu realmente permitisse.

Queria que o tempo parasse em alguns momentos, acelerasse em outros e não fizesse tanta diferença nos restantes.

Queria não me forçar a encontrar motivos, mas aceitar que certas coisas simplesmente acontecem.

Queria que decidir não doesse tanto na hora de dormir.

Queria que o meu querer não atrapalhasse o querer de outras pessoas. E não queria me tornar extremamente responsável por aquilo que cativo.

Às vezes, eu queria poder querer de verdade! Queria até que a realidade fosse igual aos meus pensamentos! Mas quando vejo, estou querendo escondido... com medo... e sem ninguém ao meu lado.

(Dalila Lemos)

OBJETIVOS DO ACASO

http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/7_284146.asp

Pra começar, quero dizer que a expressão neguinho nada tem a ver com racismo ou outro tipo de preconceito conforme algumas pessoas alegam em brincadeiras. Prossigo.

Neguinho tem mania de fazer oração, promessa, mandinga, pacto, simpatia, aposta... Tudo com a finalidade de atingir um objetivo amoroso, profissional, financeiro ou estético.

Já vi gente se entregar ao Santo Expedito em troca de um carro. Também conheci pessoas capazes de costurar a boca do sapo como recompensa pelo grande amor. Há quem caminhe do Rio a Salvador a pé, caso consiga uma vaga de emprego. Existem também aqueles que são capazes de apostar boa parte do salário nas dietas milagrosas.

Que alguém me corrija se eu estiver errada, mas acredito que resultados são frutos do nosso esforço e não apenas das nossas apostas ou crenças religiosas. Existe uma sátira que expõe de bom modo o que estou dizendo: um sujeito implora a Deus que o conceda o bilhete premiado da loteria e Deus responde que para ajudá-lo é necessário que ele jogue, antes de qualquer coisa.

A mais pura verdade? Absolutamente! Sem esforço e dedicação os objetivos não se transformam em resultados. É claro que (em raros casos) aquela velha frase de que toda regra tem exceção é válida. Algumas vezes, podemos contar com a ajudinha da sorte e até da coincidência.

Ontem mesmo, o acaso cooperou com meu propósito físico. Fui pra casa da minha mãe após um treino, com duração de uma hora, na academia. Ao chegar, me deparei com um bombom envolvido por uma linda embalagem de selofane amarelo.

Logo eu, que não costumo ligar a mínima para os doces, cai em tentação e decidi me entregar ao desejo. Sabe o que aconteceu? Na parte de dentro da embalagem tinha uma mensagem que dizia: "a vida é muito curta pra você não dividir esse bombom com alguém".

Foi melhor que simpatia! Dei uma folga aos santos e não precisei nem fazer promessa para excluir cinquenta por cento das calorias: Interpretei da minha forma e decidi comer só metade do chocolate. A outra metade, dei pra minha mãe.
 
(Dalila Lemos) 

REVIRAVOLTAS DA VIDA


Gostava de um garoto quando eu tinha treze anos. Ele usava uma touca de lã roxa na cabeça, tinha uma barba alaranjada, olhos verdes e uma cara de quem não curtia meninas da minha idade. Era vocalista de uma banda de rock. Hard-core. Gritaria. Ou algum barulho do tipo.

A banda chamava Distúrbio Sonoro (para os íntimos, DS). Ele gritava trezentas palavras por segundo e eu achava aquilo lindo! Tão lindo que, após um dos shows, lá estava eu na papelaria, comprando um caderno com a mesma sigla da banda. Na verdade, o caderno não tinha nada do Distúrbio Sonoro... Mas pra mim, qualquer coincidência era bem vinda.

Eu ia a lugares diferentes, falava com desconhecidos e até desmarcava alguns compromissos por causa do garoto. Um dia, fui parar no show do Ultraje a Rigor e o avistei de longe conversando com uma menina.

Ela era estranha: usava uma bermuda jeans toda rasgada, camisa do kiss abaixo do joelho, alfinete no lugar do brinco e ainda tinha um cabelo manchado de tinta vermelha. Minha melhor amiga, Ana Carolina, estava comigo e duvidou que os dois se beijariam. Não deu em outra! Ficaram grudados a noite inteira.

Dormi aos prantos e acordei revoltada. Cortei o cabelo e todas minhas calças jeans. Comprei blusas maiores que eu e CD's capazes de destruir qualquer biblioteca musical. Nem com tanta mudança, ele me olhou.

O tempo passou.

Eu não tinha mais nenhuma roupa rasgada. Usava vestidos, ouvia MPB, mantinha o cabelo longo.

Ele não usava mais a toca roxa e nem beijava a menina dos alfinetes na orelha.

Nós ficamos amigos.

Depois ficamos um pouco mais que amigos.

Depois namoramos.

E hoje moramos na mesma casa.

(Dalila Lemos)

DEIVID E OUTRAS OBSERVAÇÕES FEMININAS


Na quinta-feira passada, o Flamengo jogou às sete e meia. Saí do trabalho às seis, peguei um ônibus lotado e subi um morro com certos quilômetros de altura. O jogo não foi transmitido em TV aberta devido à exclusividade de um canal por assinatura, então, o que restou foi a opção de assiti-lo no boteco.

Houve problema: o lugar não teve metros quadrados suficientes para acolher a torcida rubro negra. Vi cerca de quarenta homens disputando espaço com algumas mesas e cadeiras. Percebi também que o jovem garçom quase teve uma síncope por causa de tamanho movimento.

Para assistir à jogada, alguém conectou a internet no notebook e projetou as imagens no telão. Hora ou outra, a transmissão travou e deixou a galera aos gritos de interjeições: "ah", "hi", "poxa"... E por fim, uma nova adaptação: "porra".

Achei legal estimar que, a cada mil palavrões que os homens já falaram na vida, novecentos e noventa e nove foram durante partidas de futebol. Curiosa também a suposição de que os xingamentos não variaram de uma pessoa a outra: foram idênticos de acordo com os lances.

Xingar enquanto dois times disputam a maior quantidade de gols tornou-se comum até perto das crianças pequenas. Alguns pais já liberaram para os filhos a exceção dos palavrões: durante o jogo, pode. Também infrigiram a lei do silêncio com berros esportivos após às dez da noite.

Teve gente que ficou bêbada no boteco, mas não abandonou a causa. Um homem que passou todo o tempo encostado no balcão bebendo cerveja, resumiu sua paixão pelo flamengo em apenas um brado: Deeeeiiiiviiiiddd . O dono do notebook berrou gooolll; o sujeito, Deeeeiiiiviiiiddd. O cara da primeira mesa falou sobre o juíz; o sujeito falou Deeeeiiiiviiiiddd . O povo disse juíz, joel, zagueiro, atacante, bola, tempo, substituição. O sujeito, Deeeeiiiiviiiiddd .

Naquele dia eu conheci o Emelec. Por segundos pensei que o Equador não tivesse nada muito além de narcóticos e rondador, mas errei: lá existem onze jogadores para competir com o Mengão e perder de um a zero.

O gol foi do Vágner Love... mas minha mente ficou ao infinito som de Deeeeiiiiviiiiddd .

(Dalila Lemos)

DIGA SIM AO NÃO

<>http://riosulnet.globo.com/web/conteudo/7_283323.asp

Existem duas certezas na vida: a morte e o não. Nós vivemos com a convicção de que um dia morreremos e convivemos com a existência do não durante nossa trajetória. E mesmo com ambas as evidências, ainda há quem sinta medo.

Costumo dizer que o medo é um grande destruidor de sonhos. Quando o sentimos, deixamos de fazer. Quando o tocamos, deixamos de estar. Quando o aceitamos, deixamos de ser.

Muitos recusam voar alto por sentir receio do tombo. Para não errar, nem tentam. Para não perder, nem lutam. Para não morrer, não vivem. Esses são os atalhos utilizados na tentativa de fugir do não.

O que me entristece é saber que fazem da certeza uma dúvida. “E se eu não conseguir? E se eu sofrer? E se eu não ganhar?”. É simples: o não já existe. A consequência das tentativas é o sim. Se tentarmos e for inatingível, não faz diferença: estaremos na mesma estaca. Mas se durante a tentativa nós conquistarmos o sim, daremos passos largos para uma etapa melhor.

Conselho bom custa caro, contudo, não pretendo precificar minha recomendação. Sugiro que não tenham medo da vida nem alimentem o medo do próprio medo. Amem hoje, tentem agora e não esperem o fim do jogo para fazer apostas. Não destruam os sonhos: Mudem. Arrisquem. Abram a boca. Digam sim para o não, pois aceitá-lo significa se abrir para o mundo e as coisas boas só chegam até nós quando reservamos um espaço para elas.
(Dalila Lemos)

sexta-feira, 13 de abril de 2012

SIMPLESMENTE TRISTE

O mundo é realmente complicado. Há quem critique minha angústia como se eu tivesse a santa obrigação de viver feliz. Será que devo me entregar a essa hipocrisia? Imagina!

A tristeza só é ruim quando deixa de ser um estado e passa a ser uma condição. Fora isso, é natural... Afinal, nossos dias são recheados de sinônimos e antônimos, prós e contras, altos e baixos, positivos e negativos e, principalmente, de felicidade e tristeza.

A maneira como cada um lida com os sentimentos é questão pessoal. Conheço muita gente triste que se esconde nos personagens de teatro. Algumas se trancam, outras fogem... Tem gente até que descarrega a melancolia nos copos de cerveja, nos maços de cigarro, nas compras fúteis ou na gordura de fast foods. Conheço também pessoas capazes de jurar que são sempre felizes.

Maquiar a cara com um sorriso e nunca lavar o rosto é farsa. Todo mundo um dia fica triste! Do pobre ao rico, do magro ao gordo, do fracassado ao bem sucedido. Tristeza é tristeza: não depende de cor, credo ou classe social. Príncipes se entristecem, bruxas também.

Sou eu quem pode dizer “fala sério”. E falo. Porque não estar feliz é tão normal quanto não estar inspirado. Não estar feliz é tão comum quanto não estar satisfeito. Não estar feliz é tão verdadeiro quanto não estar disposto.

A tristeza é distinta da felicidade (óbvio)! Contudo, as duas se assemelham a outros opostos (que também se completam).

Às vezes, basta o silêncio pra falar mais alto. Basta a luz para que a sombra apareça. Basta o medo para que se crie coragem. E basta tristeza para que se encontre felicidade.

Enquanto estamos tristes, somos apenas alguém demonstrando um sentimento. Triste mesmo é não sentir!
 
(Dalila Lemos) 

SOLOS ANALGÉSICOS

 Naquele quarto escuro, os solos de guitarra se transformavam em analgésicos. Ela precisava amenizar a dor. E aumentava o volume. Depois espalhava as cobertas. Deitava. E adormecia.

Os sonhos estavam sem cor. No máximo um rabisco negro se compunha em forma. A mente também estava escura: o telefone não tocava, a voz não chamava, o dia não chegava nunca.

Pela janela afora, via-se a paisagem em silêncio. Chovia gotas de solidão. Ventava desejos perdidos no tempo.

Os ponteiros corriam contra o relógio.

Janeiro não fazia calor.

Carnaval não tinha fantasia.

Seresta não tinha violão.

Saudade não tinha nome.

Acordava em busca de si, enquanto os solos de guitarra se repetiam. Ela precisava amenizar a dor. E diminuía o volume. Depois juntava as cobertas. Sentava. E acordava.

A vida estava sem cor. No máximo uma linha nude traçava o destino. O pensamento também estava monótono: a ansiedade não acabava, a indiferença não a deixava, o dia não chegava nunca.

Os ponteiros paravam dentro do relógio.

Janeiro não tinha trinta e um dias.

Vontade não tinha sinônimo.

Ela não tinha nome.

(Dalila Lemos)