segunda-feira, 13 de maio de 2013

ESSÊNCIA INUSITADA


Um dia inventaram que modelo tinha que ser magra. 

... Que mulher bonita tinha que vestir 34.

... Que as lojas de roupa tinham que vender peças tão pequenas ao ponto de servir em crianças de 10 anos.

Ana Carolina Reston morreu.

Karen Carpenter morreu.

(E as revistas que divulgavam padrão de “corpo perfeito” triplicaram as vendas).

Depois veio o lance de novela infantil, que satirizava o gordinho com comida na boca até enquanto dormia.

Tinha atriz que fazia cirurgia plástica. Cantor que fazia lipoaspiração. Cantora que não se alimentava na gravidez por medo de engordar.

Violência simbólica!

Adolescentes de 16 anos com vigorexia, consumindo 80% do dia com incansáveis atividades físicas.

Namorados cheios de ameaças e namoradas que contavam as calorias do jantar romântico.

Violência do espírito!

Violência da existência.

Aquela barreira, entre a saúde e a indução, perdeu o sentido (se é que algum dia o teve).  E ficou difícil de pensar em algum modo de ter opinião com três biscoitos de água e sal no estômago. Ficou difícil ser alguém longe das capas de revista ou dos vídeos ditos sensuais. Sobreviver com 1,74m e 40 kg sobre trilhos e poses tornou-se comum... A essência é que se tornou inusitada.  

(Dalila Lemos)

PARA SEMPRE FIM



Era uma vez o era uma vez. Cinderela? Sem sapatinho de cristal! Branca de Neve perdida na floresta até o fim do livro. Bela Adormecida que nunca mais acordará. Os contos podem mudar pra sempre. Quem sabe o gato de botas não use All Star? Quem sabe o Pequeno Polegar não se transforme no Grande Fura-bolo? Ou sugiro melhor: Peter Pan – um hipotético velho ranzinza! Clássicos são pra sempre. E sempre acabam. Histórias de vida são pra sempre. (E sempre acabam).

O fato é que o sempre não dura pra sempre. Acaba! E nem adianta lembrar-se de Renato Russo, pois a rotina muda com as estações. O frio do inverno traz o desejo eterno da coberta e do chocolate quente. Chega a primavera e o desejo acaba. O verão traz o anseio insaciável pelas malhas mais frescas e lugares mais frios. O anseio acaba com a preguiça eterna do outono. (Que acaba também). Fim das estações, fim do ano, fim do mundo. Fim da ligação, fim de campeonato, fim das inscrições. Fim do mês e fim do dinheiro. Fim da viagem e fim do descanso. Fim da conexão. Conclusão de curso, término de namoro. E a vida não para! Beatles acaba e a vida não para. Quando não acaba, muda (tipo titãs) e, nesse caso, é quase a mesma coisa.

De repente você se vê numa mesa de bar. Assuntos que sempre acabam e não acabam nunca. Fim da paciência, meu caro.

(Dalila Lemos)

TRANCADA NA GAVETA


Uma pena ter perdido. Talvez esteja em algum quarto, trancada numa gaveta ao som de Portishead. Entre as esquinas e os passos apressados. Num dia de domingo chuvoso em que se joga dominó com crianças. Ou então na correnteza daquele rio que te fez afogar com as próprias lembranças.

Pra falar a verdade, você pode ter esquecido com alguém. E talvez esse alguém jamais permita que ela retorne pra você.

Sem ladainha.

Que identidade, Laura? Mas que santa identidade é essa? Você é sem nome. Você é uma reticência perdida no mundo. Sem modos, sem motivos, sem voz, sem você mesma. Pontos jogados na continuação do nada.

Nada de identidade. Nada de contextos.

Até os seus textos perdem-se no palco. Você não tem personagens... Tem fanstasmas!!! E eu prezo pelo dia da sua perda maior.

Que tal apagar da mente essa gente que mente? Não minta pra si. Não minta, porque seria mais fácil se eu pudesse explicar o quanto tentei. Seria mais fácil de você entendesse que destruí todas as folhas do meu calendário durante anos. Eu atrasei os relógios de corda. Dormi feito princesa em dias de frio. E você jamais saiu daquele lugar, Laura! Você jamais saiu de lá!

Até o último momento. Até o último trago. Até o último gole de solidão que tomei. Você no vazio do mundo, com seus fantasmas. E eu trancada naquela gaveta, ao som de Portishead.

(Dalila Lemos)

O DOM DA LEGENDA


Não tenho muitos dons. Mas preciso agradecer pelo dom da legenda. Sou sincera, mas já fui muito pior. Antes eu confundia sinceridade com falta de educação. Tudo errado! Mal educada é a legenda e não a sinceridade!

Me sinto um filme produzido em Hollywood e assistido no Brasil. A legenda às vezes distorce o enredo.  No meu caso, ela cria uma barreira entre o que se deseja dizer e o que se pode dizer. Sim, ainda não chegamos à era da liberdade de expressão... Isso é uma farsa! 

Imagine a situação: por e-mail, recebo convite para uma festa. No convite está descrito traje passeio. Chego à festa e reparo que todos os convidados (MENOS EU) estão com traje de gala. Minha reação: “- Nossa, como vocês estão elegantes! Parabéns”. Minha legenda: “-Ah, sim, entendi, esse traje passeio é pra passear em Paris. Maldita mania minha de querer dar uma voltinha na marginal Tietê!”.

É chato não dizer o que pensa. Aliás, é chato não PODER dizer o que pensa. Já imaginou como seria se eu saísse mundo afora falando coisas do tipo:

- Você é gorda, por isso só posta fotos de comida nas redes sociais.

- Não existem óculos escuros mais cafonas que esses espelhados. Da pra parar de usar essa “coisa”?

- Meu filho, ta na hora de malhar as pernas. Você ta igual um temaki.

- Sua mulher fez pós-graduação em antipatia e doutorado em indelicadeza?

- Não, moça. As unhas não ficaram boas. Na verdade, estão uma merda! Afinal, não ta na hora de você trocar o grau desses óculos fundo de garrafa?

- É claro que eles vão ligar a TV pra assistir às festinhas espalhafatosas do BBB. Geralmente, homem gosta de mulher.

Bom. Eu teria outros quinhentos exemplos, mas é melhor guardá-los comigo. Preciso respirar, contar até dez, contar carneirinhos, contar as estrelas do céu, contar os dias do ano. Preciso fazer contas pra não perder as contas das vezes em que eu pensei em dizer absurdos.

(Dalila Lemos)

ASSALTO CIVILIZADO


Primeiro eu me senti um tender refrigerado quando entrei no ônibus da viação Resendense. Depois me entreguei ao ar condicionado e decidi sentar no último banco - onde o frio é quase insuportável. 

Engraçado que tenho uma mania: gosto de me acomodar na poltrona individual. Isso evita mp3 sem fone e conversas sem intimidade (sim, eu sou antipática durante o percurso porque gosto de dormir). Mas ontem foi diferente: a poltrona individual estava ocupada. Pensei em sentar de frente ao cobrador, mas mudei de ideia e me mandei lá pra trás.

Dormi. Sono leve. Leve o suficiente para acordar com as palavras balbuciadas de uma passageira: “ASSALTO”. Fiquei trêmula!

Um rapaz armado entrou no ônibus como um passageiro comum.  Fez sinal e entrou. Pegou todo o dinheiro que estava sob a responsabilidade do cobrador e desapareceu em menos de quinze segundos.

Pensei que meu transtorno acabaria ali. Mas tive o prazer de presenciar a inteligência do motorista que, ao invés de dar partida no veículo, ficou parado na tentativa de ligar para a polícia.

Céus! Mal sabia em qual quilômetro da Dutra eu estava. Não dava pra ver nenhum posto de gasolina por perto. Nada de motel, nada de restaurante, nada de posto rodoviário. Nem telefone para emergência eu conseguia avistar. Ao olhar pra frente eu só enxergava asfalto. Do lado direito, matagal. Do lado esquerdo, matagal.

O ônibus continuou parado e fiquei com medo de o tal assaltante voltar. Então, bateu em mim a síndrome de pobre: tirei meus tickets refeição da carteira e guardei no bolso junto ao cartão de transporte. Que leve o meu celular velhinho ou a minha mochila rasgada, mas meus tickets, nãããoooo!!! 

Um século depois, duas viaturas chegaram. Todos os passageiros desceram e foram autorizados a entrar em outra condução com o mesmo destino. Uns foram em pé... eu fui sentada, mas evitei dormir para não atrair outro assalto.

Ah! Esqueci de contar: após fazer a limpa na caixinha do cobrador, o bandido se justificou e disse “desculpa aê”. Assaltou e foi embora educadamente, com pedido de desculpas em linguagem coloquial. Santa educação!

(Dalila Lemos)

ENTRE TEMPOS


2012 acaba. 2013 começa. Nesse meio termo, há uma chuva de palavras como mudança, amor e crescimento. No meio dessa chuva de palavras, há o meu pensamento.

Pensamento só.

Só pensamento.

Uma mente que pensa em mudanças constantes, de dentro pra fora, de um segundo a outro, continuamente. Mudar não depende do ano, depende de mim. Mudar depende da maneira como eu encaro os fatos. Isso significa que posso mudar pra melhor ou pra pior. Isso significa que, se eu mudo, (pra melhor ou pior), o mundo segue. Acho que Raul estava certo: “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.

A opinião sobre o amor me levou ao ódio. Na retrospectiva, eu descobri que o ódio agora faz parte de mim. Aprendi a amar algumas pessoas, mas aprendi a odiar também. Não considero a odiosidade o substantivo mais agradável do mundo. Aliás, odiar alguém está longe de ser aprazível... Mas tem seu lado positivo: auxilia na sobrevivência. 

Sobrevivência nos leva ao crescimento. Supervivência!  É necessário sobreviver aos incômodos de um passado que não é seu para desenvolver um futuro com outra pessoa. Sobreviver à falsidade diária para aguentar 8 horas de trabalho. Sobreviver à música do ano, ao livro do ano. Sobreviver aos tecidos e às cores da estação. Sobreviver à imparcialidade inexistente, à cultura inútil, ao superaquecimento global.

Tem tanta coisa jogada fora. E as pessoas com essa mania de reciclar pensamento!

(Dalila Lemos)