Sabe, Sheila... Aquilo que te falei é verdade. Crescer dói! Não porque a barriga aumenta (esse não é seu caso) nem porque a sessão de terror do cinema deixa de ser proibida. Aliás, o terror passa a fazer parte da vida de gente grande com mais frequência e isso já não depende de ir ou não no cinema. É a vida real!
Crescer não significa soprar mais velinhas a cada ano. Não é só o fato de aumentar de tamanho, muito menos de encontrar uma ou outra marca de expressão que, até então, não existia.
Crescer é mais dolorido que isso. É se olhar no espelho e sentir saudade daquela criança que só se preocupava em jogar queimada e voltar pra casa com a roupa imunda. Criança que só tinha hora para aprender a separar sílabas no colégio ou comer brigadeiro na casa da melhor amiga. Criança cujo único medo era enxergar monstros atrás do armário quando as luzes apagavam-se.
(...)
Acontece que as luzes apagam-se. E a criança que mora na gente torna-se invisível a olho nu. Aí, então, enquanto não aparece o microscópio óptico, o corpo de adulto toma conta de um espírito infantil.
A balança passa a pesar responsabilidade sob qualquer ato. O direito de errar deixa de ser concedido e histórias como a da cegonha ou do homem do saco perdem a coerência. Fica tudo sem coesão! Porque crescer faz a gente querer resposta exata pra tudo.
O monstro do armário muda de identidade e passa a se chamar amor. O medo que ele traz consigo é lançado em forma de questionamento: “eu amei?”, “eu amo?”, “eu vou amar?”. A solidão toma conta das respostas e o mundo vai perdendo o sentido.
Não tem mais amarelinha nem pique-bandeira nem chicotinho queimado. A roda de ciranda desaparece junto com a corda e com o elástico. O peão se perde no último giro e qualquer brincadeira passa a envolver o sentimento dos outros.
A gente sofre e faz sofrer. A gente cava o abismo com a dúvida de que existe certeza.
Eu concordo com aquele lance de ter que juntar o adulto com a criança, mas acho que só da pra fazer isso depois que o microscópio óptico aparece. Só ele é capaz de mostrar o equilíbrio.
P.S: Que nome você daria ao microscópio óptico? Paz? É, pode ser uma boa... Mas é confuso ao mesmo tempo. Afinal, paz de criança a gente encontra até na sorveteria e a de adulto eu ainda não sei onde encontrar.
(Dalila Lemos)