Laura acordou ainda com muito sono, devido ao tenso dia anterior. Tomou um banho quente e demorado. Trocou de roupa três vezes seguida. Engoliu o suco que haviam preparado e partiu rumo ao trabalho.
Chegando no ponto de ônibus um anseio tomou conta de si. Ela queria apenas um lugar para sentar e tentou entrar primeiro que todos os passageiros. Mesmo conseguindo, foi inevitável viajar por uma hora encostando-se a outras pessoas que também estavam em pé.
Por um momento pensou absurdos que lhe rechearam de exaltação. Era uma incoerência enxergar policias e militares sentados em lugares que poderiam deixar as grávidas ou os idosos mais confortáveis. Esse tipo de gente entra pela porta da frente do ônibus, nunca sente o bolso doer com o aumento das passagens e, ainda por cima, consegue atrair atenção de mulheres insanas que não podem ver um fuzil ou uma estampa camuflada.
Guardou sua raiva para as próximas vinte quatro horas, pois não havia dúvida que teria um outro dia sobrecarregado de repetições. Seus amigos falariam a mesma coisa, os convites seriam os mesmos, seus olhos pesariam após o almoço e a chuva da tarde desbotaria a tinta de seu cabelo.
Ouvindo uma de suas preferidas e barulhentas músicas, debruçou-se sobre a roleta e fechou os olhos tentando entender como uma data festiva muda a visão geral do mundo. No carnaval, ninguém se importa de viajar em pé no ônibus tampouco dividir um espaço de 5 m² com mais dez pessoas. Há sempre risadas para os mesmos assuntos. Os convites podem ser iguais que são aceitos infinitas vezes e, até mesmo os uniformes, chegam a ser esquecidos por quem os veste.
Não há briga que faça uma boa letra de samba. Não existe bebida incapaz de aproximar quem não se conhece. O carnaval faz alguém ser dono de si próprio, ainda que essa pessoa queira ser de mais alguém... ou apenas de alguém. E no fim do dia, qualquer segundo vira lembrança.
Uma música mais calma começou a tocar e Laura desceu do ônibus. Chegou ao trabalho com um sorriso tranqüilo no rosto e deu bom dia a todos. Não havia mais raiva nem tensão: faltava apenas um dia para o começo do ano e para o fim de pensamentos pessimistas.
(Dalila Lemos)
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