sexta-feira, 21 de agosto de 2009

ETERNIDADES DE VIDRO

Laura, tenho algo a lhe dizer: dê seu sangue para entender esses dias frios de verão. Vejo em você um desejo de quem quer e não pode; ou pode, mas não deve; ou deve, mas não consegue. Você não consegue! E entre tantos sentimentos, esse medo é o que mais amo e o que mais odeio. Seu silêncio me faz muda, suas entrelinhas descrevem minha devassidão.
Quero matá-la, minha linda fantasia! Quero que beba desse veneno lentamente para que, ao decorrer de sua agonia, suplique por tudo que foi derramado: nossos dias vazios, nossos sonhos imundos e nossas decisões covardes.
Queira chamar meu nome, Laura, doce Laura! Chama-me até que a insanidade a domine! Grite suas manias, seus desleixos, sua euforia. Grite! Chame por mim! Faça isso e verá como o mundo está calado. Eu já não ouço você, também não ouço seu coração. Poderíamos reviver tudo... sim, poderíamos! Mas agora que o espelho foi quebrado, só nos resta traçar torto o traço desse destino sem cor. E apagar as luzes. E respirar um vazio. Sonhar em preto e branco, talvez a morte, um adeus, a solidão de quem fica quando tudo se foi. Um adeus. Apenas mais um.
(Dalila Lemos)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

TOQUES MONOFÔNICOS

No meio de tantos pensamentos absurdos, o maior de todos: os objetos deveriam ser como um aparelho celular. Não relaciono o fato aos modelos mais tecnológicos capazes de capturar vídeos, bater fotos, transmitir dados em uma distância considerável, enviar e receber e-mails, fazer downloads, baixar músicas e preparar um café forte e quente.

Sei que tanta facilidade afeta bastante o desejo e o nosso bolso, até porque, trabalhei com isso há algum tempo e conheci pessoas que optaram por um sorriso sem dente e um celular de mil reais no bolso. Não critico de maneira alguma, mas minhas idéias vão além de tudo isso.

Eu acho que a vida seria mais simples se resumida a toques. Poderíamos teclar oito números quaisquer e descobrir o exato local em que esquecemos as chaves. Um simples toque monofônico evitaria alguns minutos de estresse e preocupação. Se as chaves não estivessem por perto, o ideal seria bloqueá-las para que ninguém invadisse nossa casa. Possivelmente existiria um sistema de identificação pessoal a fim de evitar tanta burocracia, afinal, atire a primeira pedra quem nunca esqueceu os onze números do CPF.

Não me perguntem se esse objeto é o único motivo de tanta viagem. Lembrem-se de que nós também perdemos documento, dinheiro, acessórios, emprego. Algumas vezes perdemos amores, amigos e até a cabeça (creio que foi exatamente isso que me aconteceu agora). Conformada, possível e completamente conformada. Sei que tanta tecnologia ainda enlouquecerá minha mente. Por enquanto eu só quero minhas chaves e a vida resumida a toques.

(Dalila Lemos)



sexta-feira, 7 de agosto de 2009

DIÁLOGO PRA BOI DORMIR

[JUNHO DE 2007]
"Oi, sou sua atendente virtual. Para começar, fale ou tecle o número do telefone que deseja consultar - dígito por dígito, seguido do DDD"

Dalila (imitando a voz da maldita): Atendimento.

"-Entendi"

Dalila: Que inteligente!

"Você quer falar com um de nossos atendentes. Mas para isso, preciso que confirme uma última coisa. Sobre o que você deseja falar: assunt..."

Dalila: (interrompendo, como uma ótima e ex funcionária da oi) Assuntos de conta.

"Entendi. Assuntos de conta."

Dalila: Inteligente mesmo... entende e ainda repete! Meus parabéns!

"Para sua segurança digite os três primeiros dígitos do CPF"

Dalila: Essa merda não está regularizada, mas vou tentar assim mesmo;

"Aguarde enquanto transfiro sua ligação para um de nossos atendentes"

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A besta: Jaqueline Gomes, boa tarde. Com quem eu falo?

Dalila: (pensando) Será que isso interessa mesmo?

A besta: Oi, com quem eu falo?

Dalila: Boa tarde, você fala com a Dalila.

A besta: Posso ajudar?

Dalila: Espero que sim. Quero cancelar minha linha telefônica.

A besta: Qual é o número?

Dalila: (24)3324-2936

A besta: Queira me informar nome completo e data de nascimento do titular da linha?

Dalila: (do titular? pensei que eu fosse mulher... odeio quando perguntam meu nome completo e tenho que responder) Dalila de Lemos Sousa e Silva, 09/11/1988.

A besta: Obrigada pelas confirmação dos dados, senhora Dalila.

Dalila: (se isso existe, a senhora está no céu. sou uma jovem). Sim, Jaqueline, pode prosseguir.

A besta: Você se mudou pra Brasília?

Dalila: (ahhh, sim! Sou eterna nessa "Brazila", mas não entendi como o sistema identificou isso) Me mudei sim.

A besta: Por qual motivo a senhora quer cancelar a linha?

Dalila: (sou uma jovem e não tenho muita paciência) Porque me mudei pra Brasília.

A besta: Você pretende morar aí definitivamente?

Dalila: (não sei, acho que vou consultar a mãe Diná) Pretendo.

A besta: E não tem ninguém de Barra Mansa que queira aproveitar sua linha telefônica?

Dalila: (pronto. responsabilidade social: pura reciclagem) Não. Não tem.

A besta: Você mora de aluguel?

Dalila: (meu deus! acho que isso é uma sessão de psiquiatria!) Moro e já devolvi meu apartamento. Já estou nessa Brasília e quero apenas que você cancele minha linha telefônica sem entrar em detalhes.
A besta: Mas o outro morador não teria interesse?

Dalila: Meu amor, como disse, já entreguei meu apartamento e não tem ninguém lá. Eu não tenho interesse em transferir essa linha pra outra pessoa e nem aproveitar qualquer promoção que seja.

A besta: Senhora Dalila...

Dalila: (Caralho)

A besta: Você não prefere bloquear sua linha telefônica ou invés de cancelar? O cancelamento é irreversível. Caso você se arrependa e solicite nova instalação, será cobrada uma taxa novamente.

Dalila: Olha só, meu bem, em momento algum passou pela minha cabeça agir com certa falta de educação. Fui funcionária de uma franquia da Oi e entendo seu trabalho... mas eu não tenho interesse em nada que você me oferece. Estou decidida. Quero que cancele a linha agora ou transfira a ligação pra sua supervisora.

A besta: A atendente que é responsável pelo cancelamento e não a supervisora. Como uma ex funcionária da oi, você deveria saber disso.

Dalila: Qual seu nome mesmo?

A besta: Jaqueline

Dalila: Jaqueline de quê?

A besta: Jaqueline Gomes

Dalila: (ameaçando desligar) Muito obrigada, Jaqueline!

A besta: Senhora Dalila!

Dalila: (não respondi. fiquei muda. não sou uma senhora, sou uma jovem)

A besta: Alô? Senhora Dalila? Posso prosseguir com o cancelamento?

Dalila: Se for prosseguir, pode. Mas seja breve.

A besta: Você pode bloquear a linha ao invés de cancelar. O cancelamento é irreversível. Caso você...

Dalila: Escuta! Anda logo, não enrola. Você já disse isso.

A besta: Não disse não.

Dalila: (PUTA QUE PARIU) Quer que eu repita tudo que você disse?

A besta: Eu não disse isso ainda.

Dalila: Cheguei no meu limite. Não quero saber nada do que você está falando. Já disse que estou decidida. Você vai cancelar a linha ou não vai?

A besta: Aguarde enquanto o sistema conclui.

Dalila: Será que conclui?

A besta: Anote o número do protocolo.

Dalila: Pode falar.

A besta: 2477806409

Dalila: 2477806409. Jaqueline, muito obrigada pela sua atenção. Tenha uma boa tarde e um ótimo trabalho.

A besta: A oi agradece sua ligação. Boa tarde.

Dalila: ZzZzZzZzZ

(Dalila Lemos)