sexta-feira, 13 de junho de 2014

SOL DA COPA, RAIZ DO TEMPO

Depois da correria inenarrável de ontem e do frio que senti durante a madrugada (me julguem por ter dormido de edredom), acordei com o nascer do sol clareando o quarto. Pareceu o sol de 2010. Sol da Copa - que traduziu meus cabelos vermelhos e vibrantes para idiomas que só eu entendi.

A correria continuou: faxina na casa, roupa na máquina, passeio diurno com a cachorra, banho, maquiagem, café da manhã... Para minha sorte, tive a audácia de sair às ruas no dia anterior com as madeixas besuntadas de creme de hidratação (atitude petulante, de quem necessita organizar a logística do tempo). Com esses minutinhos que economizei, pude absorver os raios ultravioletas e algumas lembranças.

Fechei os olhos. Talvez não tenha passado mais de 30 segundos. Se fosse o caso de ter que me recordar (cronometradamente) do nome de algum ator ou trecho de música, com certeza o relógio venceria. Mas, na ocasião, o placar mostrou 10x0 para mim.

Textos. Fotos. Desenhos. Frases. Cervejas. Amigos. Cheiros. Quadros. Janela. Textura. Até o tom do casaco que vesti em um dos jogos! Tudo se misturou em minha mente e me deixou com um medo louco de ficar louca num prazo tão curto.

Sobrevivi ainda sã. E quando pensei nessa discussão toda de “vai ter Copa” ou “não vai ter Copa”, só me restou uma aposta: vai ter Copa com lembranças e, quiçá, com nostalgia. Porque, ao contrário da saudade, a nostalgia dói.

Em um dos livros que li do Mário Sérgio Cortella (por sinal, melhor presente do ano), ficou claro que saudade são raízes e nostalgia são âncoras. O autor explicou que o termo nostalgia surgiu da observação de um médico alemão, que viu alguns pacientes amputados queixando-se de dor nos membros que já não existiam.

Se é errado encontrar dor em tudo que deixou de existir, então me julguem de novo. Pois esse sol de Copa do Mundo - que hoje me devolveu a paz interior - é o mesmo que me doeu na alma. A âncora prende o barco e me faz perceber que não importa se as mesmas pessoas estão a bordo: elas vão mudar um dia, assim como eu mudei. Se a âncora desprender, o barco vai seguir por outra direção. E essa reflexão serve também para os objetos, os gostos, as escolhas, tintas de cabelo e partidas de futebol.

Talvez a culpa seja do tempo, o tempo matemático: que é amigo só de quem é amigo dele. Nesse aspecto sou afortunada, pois sei que toda a dor contida no que já passou é o que deixa meu presente indolor e agradável. Mas, já em relação ao tempo da estação atmosférica, tenho uma ressalva: acabo de observar que o sol foi embora e deu lugar à chuva. Não existem mais âncoras, agora são raízes.

(Dalila Lemos)

segunda-feira, 9 de junho de 2014

ESTRANHAMENTE ESQUISITA

Sou esquisita por gostar de esquisitices. Esquisita pela falta de coerência, coesão e concordância existentes no modo aleatório do MP3. Esquisita por detestar banho frio e amar cachoeira, por gostar de tomar sorvete no inverno, dormir sem travesseiro debaixo da cabeça e, SIM, por fechar os olhos quando ando contra o vento.

Esquisitamente estranha pela falta do óbvio. Pelas músicas que nunca tocam nos shows que assisto, pelos clipes que nunca encontro na web e, principalmente, por todos os meus produtos que saem de linha. 

Sou esquisita quando olho para a contramão na hora de atravessar a rua. Quando almoço de colher. Quando deito com cara de Marilyn Monroe e desperto com jeito de Lindsay Lohan. 

Tipicamente esquisita pelo grito que cala. Por, ocasionalmente, ficar automática e parar de me importar com o que não se importam. Esquisita em escala elevada por fazer de conta até perder as contas e depois contar sobre as contas que contei.

Os dias que passam, os que chegam e os que vão: considero-os tão esquisitos quanto eu! Mas não ligo pra isso... E saio na rua com um sorriso esquisito de quem se satisfaz com qualquer simplicidade que ficou escondida nas entrelinhas da vida. 

(Dalila Lemos)

AS FAMOSAS NOVIDADES

Há muito tempo eu tento entender o sentido de algumas perguntas. Existem de todos os tipos, indagadas nas mais diversas entonações, em contextos simples ou intimidantes. E entre todas elas, a que mais me assusta é a famosa: “QUAIS SÃO AS NOVIDADES?”.

A palavra novidade vem do latim novitas e significa aquilo que é novo. Portanto, falar sobre o novo é ter situações que aparecem pela primeira vez no cotidiano, cujas quais merecem algum tipo de comentário plausível. 

É importante lembrar que moro em Barra Mansa – uma cidade sempre sem emoções, sempre estagnada pela pausa na ferrovia, sempre lotada de pessoas que precisam de bússolas para caminhar nas ruas e de carros que seguem na tentativa em vão de chegar a algum lugar. Logo, não há nada de novo... Porque até o novo é sempre... E o sempre é um velho eterno marcado pelo apito ensurdecedor do trem.

Você deve pensar que é pretexto. Deve achar que estou inventando motivos para não confessar a mesmice que é minha vida. E digo mais: talvez você esteja certo. Contudo, em uma análise mais profunda e relativa ao assunto, eu me questiono: O que é ter novidades para contar? 

Eu poderia ser algum sortudo, com a boca cheia de dentes, exclamando sorrisos ao dizer que vou à Finlândia ou a Paris no próximo mês. Poderia ser mais uma daquelas pessoas que se fecham para imensidão do mundo e decidem fazer tributo ao Luan Santana, com serenatas de “... Eu, você, dois filhos e um cachorro”. Poderia ganhar na loteria, nos sorteios de mercados, nas rifas e nos bingos. Ou quem sabe até alcançar, merecidamente, um cargo de chefia em alguma corporação industrial com alto reconhecimento. 

Mas não. O meu novo é simples, esquisito e pequeno. E eu não sei a que ponto ele se enquadra no direito de ser compartilhado com o próximo – que casou, mudou e não te convidou - que viveu, cresceu e morreu com uma conta bancária invejável – que conheceu mais de vinte países e nunca (eu disse NUNCA) foi obrigado a colar uma tabela de capitais na mesa do trabalho.

De qualquer forma, a quem interessar possa, eis aqui as minhas novidades que sucederam o mês de Abril: estive no melhor evento rock de todos os tempos (julgue quem quiser, pois foi lindo). Bati o pé por gostar de ser ruiva e prezei pelo dia da invenção de uma tinta fixa. Lavei as madeixas com leite morno após uma peripécia que teve final trágico. Dei gargalhadas nas ruas, ao me lembrar de situações inevidentes. Salvei uma barata. Baixei músicas que nunca tinha ouvido. Resgatei amigos. Ganhei um livro, um vinho, um casaco, uma base, um jogo americano, alguns chocolates e um pão de mel. Fiz check-in mental na funerária. Fui embora de um evento antes do final. Senti medo. Senti frio, mas agasalhei o corpo e deixei os pés à mostra. 

Ah, antes que eu me esqueça: além de simples, esquisitas e pequenas, as minhas novidades são aleatórias! Mas isso não interessa. O que importa realmente é que, com elas, descobri em mim mais de mim do que em 25 anos. E acho que isso basta!

(Dalila Lemos)