Depois da correria inenarrável de ontem e do frio que senti durante a madrugada (me julguem por ter dormido de edredom), acordei com o nascer do sol clareando o quarto. Pareceu o sol de 2010. Sol da Copa - que traduziu meus cabelos vermelhos e vibrantes para idiomas que só eu entendi.
A correria continuou: faxina na casa, roupa na máquina, passeio diurno com a cachorra, banho, maquiagem, café da manhã... Para minha sorte, tive a audácia de sair às ruas no dia anterior com as madeixas besuntadas de creme de hidratação (atitude petulante, de quem necessita organizar a logística do tempo). Com esses minutinhos que economizei, pude absorver os raios ultravioletas e algumas lembranças.
Fechei os olhos. Talvez não tenha passado mais de 30 segundos. Se fosse o caso de ter que me recordar (cronometradamente) do nome de algum ator ou trecho de música, com certeza o relógio venceria. Mas, na ocasião, o placar mostrou 10x0 para mim.
Textos. Fotos. Desenhos. Frases. Cervejas. Amigos. Cheiros. Quadros. Janela. Textura. Até o tom do casaco que vesti em um dos jogos! Tudo se misturou em minha mente e me deixou com um medo louco de ficar louca num prazo tão curto.
Sobrevivi ainda sã. E quando pensei nessa discussão toda de “vai ter Copa” ou “não vai ter Copa”, só me restou uma aposta: vai ter Copa com lembranças e, quiçá, com nostalgia. Porque, ao contrário da saudade, a nostalgia dói.
Em um dos livros que li do Mário Sérgio Cortella (por sinal, melhor presente do ano), ficou claro que saudade são raízes e nostalgia são âncoras. O autor explicou que o termo nostalgia surgiu da observação de um médico alemão, que viu alguns pacientes amputados queixando-se de dor nos membros que já não existiam.
Se é errado encontrar dor em tudo que deixou de existir, então me julguem de novo. Pois esse sol de Copa do Mundo - que hoje me devolveu a paz interior - é o mesmo que me doeu na alma. A âncora prende o barco e me faz perceber que não importa se as mesmas pessoas estão a bordo: elas vão mudar um dia, assim como eu mudei. Se a âncora desprender, o barco vai seguir por outra direção. E essa reflexão serve também para os objetos, os gostos, as escolhas, tintas de cabelo e partidas de futebol.
Talvez a culpa seja do tempo, o tempo matemático: que é amigo só de quem é amigo dele. Nesse aspecto sou afortunada, pois sei que toda a dor contida no que já passou é o que deixa meu presente indolor e agradável. Mas, já em relação ao tempo da estação atmosférica, tenho uma ressalva: acabo de observar que o sol foi embora e deu lugar à chuva. Não existem mais âncoras, agora são raízes.
(Dalila Lemos)