Vinte minutos de espera e lá vem ele, milagrosamente no horário. Estaciona próximo ao meio fio e abre as portas da decepção. Eu profetizo o futuro e vejo a catástrofe: alguém vai morrer em troca de uma poltrona! Quase acerto.
Entre um empurrão e outro, alguns pensamentos pairam no ar. Acho que realmente poderiam inventar uma cabine Spielberg Transportation, afinal, estou cheia de dividir minha rotina com vendedores de cabides e andarilhos. Sem contar os bancários, comerciantes, estudantes, turistas, policiais, idosos, deficientes, gestantes, bêbados, ciganos, enfim. É muita gente para pouco espaço! Um compartimento para me transportar rapidamente de uma cidade a outra é a ideia mais eficaz da semana.
Agora deixo os pensamentos mirabolantes de lado, pois há algo mais contundente para minha indignação: o rapaz sentado à frente, mas conhecido como “ném”, é doutor em inconveniência. Formado em Harvard, ele sabe melhor que ninguém o significado de barulho. Ouve música no último volume de seu MP3 e não utiliza fones de ouvido. E vale lembrar: é o criador da comunidade virtual “eu tenho mau gosto” – um infeliz apreciador do proibidão do funk.
Logo atrás, uma cena clássica: o ceguinho e sua bengala. Ele caminha com seu bastão na mão direita enquanto, com a outra mão, segura uma cesta de palha. Recolhe moedas, notas, tickets e vales, enquanto sua mulher se esconde em um canto qualquer fingindo não o conhecer.
Ao meu lado, um episódio de terror: a boca sem dente e sem dentadura, aberta com a ajuda de um ronco horripilante. Hora ou outra, a cabeça encosta-se ao meu ombro e me empurra contra a janela. Neste momento, tento me lembrar se algum dia eu grudei chiclete na cruz para merecer isto. Dona fulana acorda assustada e me pede desculpas. Após cinco segundos volta a roncar.
Olho para o relógio enquanto bebês choram e amigos se comunicam à distância. Faltam quinze minutos para o fim da tragédia. Perco um terço deste tempo ao explicar a alguém qual tinta de cabelo uso. E quando penso que nada mais pode piorar, uma senhora apresenta documento de identidade, ignora a roleta e para na minha direção. Cedo meu lugar a ela e a escuto perguntar: “- Andar de ônibus é tão gostoso, não é?”. Sem pensar duas vezes, eu respondo: “- Você não faz ideia!”.
(Dalila Lemos)