sexta-feira, 16 de setembro de 2011

MEU DISCURSO SHAKESPERIANO

Lembro-me bem: há quatro anos eu estava prestando vestibular e hoje estou há poucos passos da formatura. Não, eu não pretendo discutir sobre a vida de um modo clichê. Quero apenas mostrar que o tempo pode ser infinito para quem se entrega de verdade.

Em quatro anos, tive um vasto aprendizado:

Aprendi a respeitar as diferenças e a individualidade das pessoas.

Descobri que energia positiva atrai energia positiva e que errar mais de uma vez também é humano.

Entendi que humildade pode significar mais que experiência e que experiência não se adquire nos livros.

Aprendi que belas amizades podem acabar por não serem tão belas assim.

Entendi que personalidade não se compra em embalagens de tinta para cabelo.

Descobri que amar os animais é doar um pouco de si ao mundo e que o mundo não é um papel chamado dinheiro.

Aprendi que o silêncio diz muito e que muito pode significar nada para alguns.

Descobri que o sorriso contagia, que a inveja destrói e que a força do bem sempre vence.

Olhei a natureza e entendi que Deus existe. Revi algumas fotografias e compreendi a importância do perdão. Refleti por alguns instantes e descobri que todo esse aprendizado só foi concedido a mim porque me permiti aos desacertos e à incerteza de que a vida pode ser do meu jeito.



(Dalila Lemos)


NOITES DE OUTONO

Quando amanhecia, o sol iluminava as projeções mais audaciosas de Niemeyer e meus olhos contestavam a paisagem matutina do Planalto Central. Mas bastava anoitecer e o céu de Brasília enfeitava meu desencanto. Eu passava horas admirando as estrelas e toda infinidade que cobria meus pensamentos.

O lago Paranoá escondia sua artificialidade por baixo dos arcos da ponte JK. As luzes do Palácio Itamaraty refletiam em mim alguns versos contemporâneos e as curvas da Catedral moldavam a cidade. No escuro, eu era capaz de tudo: enfrentava o medo, esquecia a insegurança, exonerava a saudade.

Eu gostava de andar sem rumo pelas ruas. À noite elas ficavam tão parecidas que contradiziam coincidências! Algumas vezes, eu me perdia em um ou outro quarteirão, mas não demorava muito para encontrar algum restaurante que me fizesse ter a certeza de estar perto de casa. Sentava-me sempre ao fundo, em alguma mesa encostada na parede. Bebia alguns drinques, comia alguma coisa e ouvia um pouco de música.

Voltava pelas mesmas ruas, com os mesmo pensamentos, debaixo do mesmo céu. Subia dez andares de elevador, entrava pela porta da cozinha e tomava o terceiro banho. Já vestida, ligava o computador e fixava meu olhar nas mensagens instantâneas que tanto me ansiavam. O anoitecer me consumia ali: no sentimento mais forte, na vontade mais distante.

Hora ou outra eu caminhava até a cozinha e acendia um cigarro na janela. Parada, ouvia o silêncio da madrugada e observava as últimas luzes que se apagavam. Mas não demorava muito e lá estava eu: escrevendo e-mails, ouvindo música, ligando a webcam.

Quando menos percebia, o relógio já marcava cinco da manhã. A ocasião me fazia estender um colchão e algumas cobertas. Debaixo do travesseiro eu escondia desejos, guardava imagens e esquecia o mundo. Minhas paixões adormeciam junto com a certeza de que o amanhecer levaria tudo embora.

(Dalila Lemos)