quinta-feira, 15 de setembro de 2016

DESCULPE O TRANSTORNO, MAS PRECISO FALAR DE EXU



Não lembro onde o conheci. Essa frase pode soar preocupante se você imaginar a imensidão do quanto estou me lixando pra isso. Ele usava touca preta, bermuda e tinha um piercing no queixo. O restante da minha falta de memória é um motivo deveras justo para que qualquer pessoa confie em mim: não haverá fofoca, pois não me lembrarei.

Os olhos, sempre arregalados e em tons diferentes de verde, deixavam claro que os amigos dele conseguiam reparar detalhes que eu mal cogitava. Mas eram de passarinho - isso eu sabia bem. E não pense que o Gregório é o diferentão da paixão à primeira vista... Eu também passei por isso (e confesso: acho que foi macumba).

Começamos a re-namorar no dia 27 de Novembro. Ele pensou que fosse dia 20. Conclusão: ta tudo bem na fila de espera do Alzheimer.

Não vimos todas as séries. Longe disso: eu dormi e continuarei dormindo no meio delas. Inclusive, durante as minhas favoritas. E várias vezes. Não me encham o saco. Obrigada, de nada.

Não fizemos receitas de risoto. Fizemos farofa. E a dele é a melhor que eu já experimentei.

Não queimamos nenhuma panela de comida porque meu teflon das Lojas Brasil é coisa linda de se usar. Não escolhemos móveis sem saber se eles passariam na porta, mas, em compensação, tomamos incontáveis cervejas sem saber se caberiam no estômago.

Não fizemos uma dúzia de amigos novos porque nossos amigos são antigos e cheios de mania. Melhor não arriscar! Também nunca fizemos curta - a sociedade não está preparada para o nosso deboche.

Sofremos com os bares fechados, rimos com litrão a sete reais. Não viajamos o mundo, mas descobrimos o significado de "Uhulll" sem sair de casa. Das dez músicas que mais gosto, sete ele se nega a acreditar (e isso inclui "Não Ter", da Sandy e do Júnior). As outras três talvez ele tenha me mostrado, mas eu também não me lembro.

Aprendi o que era feminismo na marra, e não foi com ele. Agradeço! Cisgênero, gaslighting, heteronormativade e mansplaining também. Em contrapartida, graças a ele eu nunca esqueci que a capital de Alagoas é Manaus. Não, péra! Ai meu Deus.

Uma vez terminamos. E não foi fácil. Parecia que pra sempre ele ia fazer falta. Eu estava certa! Se a gente ao menos tivesse tido um filho, pensava, o encosto seria eu.

Essa semana vi a gripe dele passando pra mim - não por acaso uma história de azar. Achei que ia espirrar tudo de novo! E o que me deu foi uma felicidade profunda de poder dividir esses perdigotos. Sabe como é né, eu sou Dalila. Clarices devem ser mais elegantes.

segunda-feira, 14 de março de 2016















Poucas vezes fico muda
E tudo porque - quase nunca -
Nunca grito meu silêncio
Poucas vezes vejo o céu fragmentado
A lua cheia
O apito de um trem quase confuso
Não vejo vênus nem júpiter
Não finjo verdades nem sonhos já cansados
Não tenho nas mãos nada mais que a opção de calar-me a boca
Eu fico muda.
E tudo porque - quase nunca -
Nunca calo meu desespero

Tenho um nó
(Não na garganta)
Mas na alma vazia que me preenche de medo
E sobre esse mundo farto
Sobre teorias bem elaboradas
Tenho apenas respostas
Muito mal convincentes a mim mesma

Sem ponto
Sem verbo.
Sem espaço.
Até sem nome eu fico!
Mas fico.
Ainda que em silêncio
Ainda que em pedaços
Ainda que sem palavra.
Digo, sem ponte ou abismo
Quem sabe o lirismo
E o delírio que me propaga no vento

Fico porque sou eu, imóvel
Perdida na euforia do tempo:
Que não grita, mas ensurdece
Que não fala, mas se faz compreensível
O mesmo tempo
Que, para a alegria dos ponteiros,
Traz (re)encantos dos encantos
Que foram contados na ponta dos dedos

Um alguém mudo.
Talvez eu.
Talvez você.
Talvez só esse tempo.

(DALILA LEMOS)

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

UM PONTO VAZIO

Portanto, fico assim. Porque talvez fosse setembro... Eu não me lembro. E sem querer rimar, exponho alegremente que aprendi a esquecer (pelo menos as datas de) as coisas ruins.

Mas foi um dia traumático de fato. Um trauma não registrado no calendário. Um medo indefinível, não por ter ficado sem celular, mas por ter ouvido pessoas perguntarem se o assaltante era negro. Que diferença faz a cor num mundo que reflete ignorância em tons de cinza?

Tive medo de ficar cara a cara com o despreparo da polícia. Medo de fazer mal a alguém que, por qualquer motivo, necessitou tirar algo material de outro alguém. E um medo de ouvir vozes dizendo que sou louca por me preocupar tanto com quem "não se esforça pra vencer na vida".

Entre tantos medos, o pior foi o de me sentir desprotegida. Mas naquele dia de setembro sem rimas, ou de outubro que não muda nada, percebi o quão é inevitável.

Não falo de segurança no seu sentido literal. O buraco é mais embaixo! Eu me sinto desprotegida a todo instante: no convívio com pessoas que tentam passar por cima das outras, nas entrelinhas dos discursos de quem defende o combate à violência com violência, no lucro egoísta dos grandes empreendedores, no sentimento surreal de quem despreza o valor dos sentimentos, na falta de paz que tenho ao chegar em casa, nas reticências de exemplos e na sensação de impotência que um motorista pode me causar quando dou sinal e vejo que o ônibus não parou devido ao fato de eu estar correndo.

O buraco é mais embaixo: bem embaixo do meu nariz! Hoje eu tentei salvar uma barata e chorei por ter falhado. Agora meus pensamentos estão desconexos e eu não sei como devo ficar: parada num ponto vazio ou no movimento de uma realidade hostil.