terça-feira, 1 de julho de 2014

TRANSBORDA QUE ESVAZIA

Situações me enchem. Penso nisso ao me servir de café forte no início do dia. E às vezes transborda: o café e eu. Mas, de certa forma, acho interessante o modo que a vida encontra de me advertir! Parece um sacode, como se eu fosse passageira de um ônibus estraçalhado que segue em alta velocidade sobre paralelepípedos desgastados. 

Percebo (a cada quilômetro) o quão longe estou do tesouro pirata que esconde as respostas mais exatas para minhas perguntas impróprias. Pra ser sincera, questionar os próprios questionamentos só pode ser atitude de gente ociosa... Porém, acredite: não há tempo que me sobre e, ainda assim, faço isso. 

Preciso de formatação com urgência. Meu HD está cheio de indagações e verbos mal conjugados: Queria do verbo não quero mais. Mas por que isso? Porque sim! Fazia do verbo não faço mais. E por quê? Porque tem que ser desse jeito! 

(Esqueçam a parte do ócio. Devo ser é louca!). 

Só sei que entre tanta loucura, há loucuras mais loucas que eu. E elas me enlouquecem! O jeito é deixar derramar: os desejos, as limitações, o bom senso, o agora e o pra sempre. Se deixar transbordar, uma hora esvazia.

Dalila Lemos




DE RESENDE A VENEZA

Quando me disseram que a vida era difícil, não levei muito a sério. Talvez por eu ser o tipo de pessoa que não se importa muito com o que dizem. Ou por sentir água na boca ao avistar um ramo de rabanete perdido entre as sobras do sacolão e, depois, agradecer por cada pedaço mastigado. Sim! Gostar de rabanete é a contestação mais eficaz do infortúnio: coisa de gente feliz!

Vale lembrar que gente feliz não é quem acorda com um sorriso de Jim Carrey na cara, cantando algum top10 das rádios e dando bom dia ao sol. Isso não é felicidade, é falta de consulta psiquiátrica.

Eu acordo com um mau humor comparável ao do Coronel Frank Slade (personagem de Al Pacino, no filme ‘Perfume de Mulher’). Mas, ainda assim, me sinto disposta a comprar qualquer briga se alguém usar esse pretexto para questionar meu contentamento. 

Ora, pois. Tristeza para quê? Não é porque acordo cedo (contra a minha vontade) e me enfio num ônibus superlotado (contra a minha vontade) que vou reclamar do mundo a nível 0800. A coisa certa a se fazer é pensar nos pontos positivos, os quais eu poderia compartilhar agora se não os tivesse deixado na geladeira de casa.

O fato, desconsiderando qualquer líquido com teor alcoólico que já deve estar pronto para consumo no refrigerador, é que eu tenho uma mania boba de gostar do que é simples. Pois é... Com tanta orquídea no mundo, me pego admirando florzinhas do mato – como aquelas que nascem próximo aos brejos. E também gosto de fotos em tons de cinza, músicas gravadas em fitas cassetes, cheiro de grama irrigada e todas as outras bobeiras que ficam esquecidas neste mundo tecnológico de meu deus.

Sou fácil para o universo e sempre afirmo que ele é fácil para mim. Por isso desacreditei ininterruptamente nessa teoria de que a vida é difícil. Mas agora, diante dessa tempestade que transforma Resende em Veneza, começo a me encher de dúvidas na mesma proporção em que os vãos dos paralelepípedos se enchem de água.
Desfaço planos. Perco mais de uma hora em plena a véspera de feriado. Desboto minha ruivice artificial. E, claro, percebo que só não estou mais arruinada porque não tenho nenhuma camiseta do Legião Urbana. 

Se a vida é difícil ou não? Sei de nada (inocente)! Mas que São Pedro é um fanfarrão, aí sim, não tenho suspeitas.

Dalila Lemos