O celular tocou. De fato, não era nenhuma amiga louca ou ansiosa ligando em horários incompreensíveis para contar história néscia. Era apenas o despertador, vibrando no ritmo de uma melodia calma que ilustra a famosa 6h30 da manhã.
Completamente contra a função soneca, pensou no que fazer assim que abrisse os olhos: tomar banho? Trocar de roupa? Preparar um suco de laranja? E decidiu começar seu dia diferente, estampando o rosto com um sorriso e empregando uma gíria jovem que substitui o clássico bom dia.
A casa se resumia a sonhos interrompidos pelo barulho dos sapatos. Adormeciam menos tranqüilos que antes, mas aproveitavam o que restava do tic-tac dos relógios. Pela janela dava pra ver o sol brigando com a nuvem que, por sua vez, tentava ocupar todo espaço do céu. Pegou um paletó, abriu a porta e pisou no asfalto
Na rua, uma realidade distinta: as pessoas se transformavam em quadros, onde a moldura era exatamente a mesma janela que servia de apoio para imaginações e anseios. Elas eram paisagens imóveis, com vida apenas nas cores e nas formas. Eram mendigos esticando as mãos, crianças vendendo doces, vozes repetidas de reclamações.A cada passo que dava, mais entendia a loucura do mundo e insistia em seus pensamentos de que estava tudo errado.
Não deveria existir TV para vender manipulação, jornais para divulgar tragédias, músicas para estimular a pornografia. Por essas e outras as pessoas se entregavam e tornavam-se parte de um vazio de lamentações.
Cansada de tanta insanidade por tão pouca conveniência, sentou-se num banco de praça e fantasiou outra realidade. Neste momento, enquanto usava as mãos para segurar o copo de café e ler um livro, ouviu alguém dizer que não pertencia a esse mundo. Como em desenhos animados, apenas lembrou-se do primeiro ato do dia e fez daquele sorriso um escudo. E já não precisava se preocupar, apenas viver cada momento.
(Dalila Lemos)